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GILBERTO DIMENSTEIN
Jovens mandam dizer que o medo venceu a esperança
Na sexta-feira passada, a
estudante universitária Luciana Gonçalves de Novaes, de 19
anos, vítima de um bala que lhe
atingiu a mandíbula e se alojou
na coluna medular, retornava à
mesa de cirurgia -ela fora alvejada dentro do campus de uma
universidade no Rio de Janeiro.
Nesse mesmo dia, 56 mil jovens
com idades próximas à idade de
Luciana, espalhados em 11 Estados brasileiros, quase todos de
classe média para cima, exibiram
sua receita para enfrentar a violência urbana: matar os delinquentes, submetê-los a trabalhos
forçados e condená-los à prisão
perpétua. Querem o preso mais
tempo na cadeia e sem nenhum
tipo de "privilégio".
Daí se vê até onde a deterioração social está produzindo em
nossa futura elite política e econômica uma mentalidade violenta.
A receita está embutida numa
pesquisa feita com 56 mil brasileiros de idades entre 17 e 20 anos,
todos estudantes de cursinhos
pré-vestibulares ou do ensino médio, sobre como punir os marginais -o levantamento, divulgado na sexta-feira, foi realizado
pela rede de ensino Anglo na última semana de abril. Os entrevistados estudam em escolas particulares e pertencem às classes A e
B -92% deles possuem acesso à
internet, o que os situa na minoria mais privilegiada e educada
da nação.
Entre os entrevistados, 33,5%
optaram pela pena de morte como um jeito de amedrontar os delinquentes, 25% pediram trabalhos forçados, 22% sugeriram o
fim dos "privilégios" no sistema
carcerário e 9% defenderam a
prisão perpétua.
A ordem, em poucas palavras, é
mandar matar.
A reação é compreensível. Esses
jovens nasceram durante a década de 80 -a chamada década
perdida, marcada pelo aumento
do desemprego-, quando as
grandes cidades já estavam transformadas em campos de batalha
e as ruas passaram a ser regidas
pelo medo.
Não puderam usufruir o encanto que seus pais tinham pelas
ruas, outrora espaço de brincadeiras, de passeios a pé ou de boêmia descontraída. Os pais, na verdade, transformaram-se quase
em seguranças privados, apavorados com a possibilidade de os filhos não voltarem depois das festas. O ruído da chave na fechadura, de madrugada -sinal da volta segura-, transformou-se no
código para os pais conseguirem,
enfim, dormir.
Lamento incomodar o leitor
neste final de semana, mas, mesmo que o Brasil volte a crescer (e
rapidamente), o que não é uma
perspectiva realista, não se vai diminuir a produção de criminosos
- essa é a verdade que os governantes não admitem e nunca vão
admitir publicamente. O país inteiro é candidato a virar um
imenso Rio de Janeiro, onde se
pode levar um tiro de um policial
dentro de campus universitário.
Faz-se agora uma bem-intencionada campanha, pedindo a todos que não comprem drogas,
porque isso desestimularia o tráfico -e, assim, coibiria a violência. Ilusão.
Se não puderem ganhar dinheiro com drogas, os que hoje estão
envolvidos nisso vão procurar outros ramos de atividade marginal. Em São Paulo, quando os
bancos ficaram mais seguros, aumentou o número de sequestros
- e, agora, com menos sequestros, subiu a incidência de roubos.
Pior do que a herança maldita é
o futuro maldito. A combinação
do desemprego com a baixa escolaridade de muitos jovens gerou
um enorme estoque de delinquentes em potencial, que estão
aí, espalhados pela periferia, sem
alternativa, vítimas de uma herança maldita, produzindo um
futuro maldito.
Na segunda-feira passada,
ocorreu, no Ministério da Educação, um encontro que reuniu gestores de políticas públicas voltadas ao jovem -políticas, aliás, tímidas ou quase inexistentes no
Brasil. Discutiu-se ali uma das
poucas medidas que, a curto prazo, poderiam diminuir aquele estoque de delinquentes em potencial: distribuir uma bolsa para jovens que vivem em áreas deflagradas, a fim de que concluam
seus estudos. Em contrapartida,
prestariam serviços comunitários.
A proposta foi encampada pelas
cúpulas dos ministérios da Educação e da Justiça.
Nem ainda se construiu, no Brasil, uma agenda para o jovem,
nem, muito menos, existem recursos para um plano destinado
às áreas conflagradas, onde os jovens, em razão da falta de perspectiva, imaginam que têm pouco
ou nada a perder na vida.
Aqueles jovens da pesquisa, tomados pelo medo, apenas vêem a
insegurança crescer -quase todos foram vítimas ou são amigos
ou parentes próximos de uma vítima. E não vêem ainda uma alternativa - e, de fato, por enquanto, não existe mesmo nenhuma. Existem mais chavões do que
soluções.
A prova de que, pelo menos na
questão da segurança, o medo está vencendo a esperança é o fato
de que jovens da elite passam a
ser parte do problema, e não da
solução. Iludem-se com a esperança de que estariam mais protegidos se os direitos dos outros
não fossem respeitados, obedecendo à lógica da barbárie.
PS - Como a pesquisa trata da
futura elite, vale a pensa prestar
atenção a um detalhe preocupante da pesquisa. Indagados sobre
quantos livros não-escolares lêem
por ano, 31% responderam nenhum e 50% afirmaram ler de
um a três livros. Será que um segmento expressivo de nossa elite
será violento e iletrado?
E-mail - gdimen@uol.com.br
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