|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Irmãos tentam provar à Justiça que podem estudar só em casa
Decisão judicial determina que jovens sejam testados para saber se têm conhecimento igual ao de alunos regulares
Adolescentes estão há mais de 2 anos fora da escola; adeptos do ensino em casa, pais
foram processados e podem
perder guarda dos filhos
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Dois adolescentes de Timóteo (216 km de Belo Horizonte)
iniciam hoje uma verdadeira
maratona de testes para provar
à Justiça mineira que têm condições de continuar estudando
em casa, orientados pelos pais.
Jonatas, 14, e Davi, 15, estão
há dois anos e meio sem freqüentar a escola porque seus
pais, Cleber e Bernadeth Nunes, são adeptos do "homeschooling" (ensino domiciliar),
movimento que reúne 1 milhão
de alunos só nos EUA. Eles atribuem a decisão à má qualidade
do ensino do país e à violência
nas escolas.
O ensino domiciliar é uma
prática proibida pela legislação
brasileira, e o casal está sendo
processado nas áreas cível e criminal -se condenados, podem
perder a guarda dos filhos.
De hoje a quinta, os irmãos
farão uma série de provas de
conhecimentos gerais e de conteúdos curriculares compatíveis com a idade e referentes às
7ª e 8ª séries do ensino fundamental. O cronograma foi definido pela Secretaria de Estado
da Educação e pelo Ministério
Público Estadual.
O objetivo é avaliar se o conhecimento dos adolescentes é
compatível com o de um aluno
do ensino regular. O resultado
das provas deve ser enviado até
o próximo dia 27 ao Juizado Especial Criminal de Timóteo.
Na esfera cível, o casal Nunes
foi condenado, por infringir o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao pagamento
de multa de 12 salários mínimos e obrigado a rematricular
os filhos na escola. Eles recorreram, e o processo tramita no
Tribunal de Justiça de Minas.
No âmbito criminal, os pais
estão sendo processados pela
prática de crime de abandono
intelectual, previsto no artigo
246 do Código Penal. Segundo
o Ministério Público, o andamento da ação ainda depende
de um estudo social da família
-a ser feito pelo Serviço Social
do Fórum de Timóteo- e a avaliação do grau de conhecimento dos adolescentes.
Cleber Nunes diz estar confiante no desempenho dos filhos durante as provas e espera
que a Justiça conclua que a
educação que eles recebem em
casa é de boa qualidade.
"Os meninos estão estudando muito o conteúdo das provas
e parecem mais tranqüilos do
que eu. Estou bem ansioso",
afirma ele, designer autodidata
que abandonou os estudos no
primeiro ano do ensino médio.
Nunes contratou uma professora particular de matemática para reforçar o estudo dos
garotos nessa disciplina. Em
casa, o pai conta que os filhos
aprendem retórica, dialética e
gramática, aritmética, geometria, astronomia, música e duas
línguas estrangeiras -inglês e
hebraico. Estudam, em média,
seis horas por dia.
Convívio escolar
Educadores afirmam que a
função da escola vai além do
ensino e que o convívio escolar
tem papel importante na vida
da criança e do adolescente.
"A família pode fornecer condições de socialização de outras
formas, mas o difícil é ter esse
contexto de sala de aula, de coletivo", afirmou a educadora
Guiomar Namo de Mello.
Mello diz entender a posição
dos pais que reivindicam o direito de ensinar os filhos em casa porque a escola pública hoje
dificilmente oferece essas condições. "Mas tem o ponto de
vista maior, que é preservar
uma política pública. Não dá
para deixar que cada um resolva a escolaridade do seu filho à
sua maneira."
Para professor titular da Faculdade de Educação da USP,
Nelio Bizzo, o "homeschooling" tem fundamento teórico
para pessoas com orientação
religiosa muito específica (como os quackers), mas não para
as demais.
Texto Anterior: Cláudio Perani (1932-2008): Um jesuíta que vibrava pelo Atalanta Próximo Texto: Diplomata vietnamita reaparece depois de ser seqüestrado Índice
|