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DEPOIMENTO
Colete atrai lanche de graça e provoca medo de ser alvo
DA REPORTAGEM LOCAL
O sol faz a pele arder, enquanto o colete à prova de
bala aperta o meu peito. Falaram
que era do meu tamanho -imagino se não fosse. Faz muito calor.
Enfim chegamos ao ponto de
bloqueio. São 14h. Foram 50 minutos no trânsito seguindo um
comboio da Rota. A rua é movimentada, rodeada por morros e
casas semi-acabadas. Como aperta e esquenta este diabo de colete.
Eu e o tenente Morishita não almoçamos. Depois da instrução,
eu o entrevistei e perdemos a refeição. Meu estômago dói. Tem
uma barraca de lanche na rua.
"Tia, por favor, vê um cachorro-quente. A senhora troca dez?"
"Imagina, meu filho, leva que eu
ainda vou te dar um refrigerante. "Era efeito do colete, com o
símbolo da PM no peito.
Não tem jeito, digo que sou jornalista, mas ela não quer receber.
Deixo um passe de metrô.
Os PMs caminham para a favela. Já vi muitas, mas não com este
colete. Vejo as casas de perto. Pessoas me olhando. Os policiais parando jovens. As armas, as mulheres, as crianças, os rapazes. Cadê o bandido? É tudo igual.
O tenente segue à frente de seus
três homens. Eu e o fotógrafo
atrás, pelas vielas estreitas.
Um garoto lê a Bíblia. Ouço um
rap dos Racionais, sobre a Rota
no Carandiru. Cheira a esgoto.
Fiquei para trás na escalada.
Um PM grita: "Vamos embora,
é perigoso". Olho para cima. São
vários esconderijos possíveis. Só aí
me ligo: o colete que me aperta o
peito também me transforma em
alvo.
(ALESSANDRO SILVA)
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