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BRASIL JUVENIL
Estudo da USP e da Universidade de Londres mapeia transtornos na população brasileira de sete a 14 anos
Distúrbio mental afeta até 3,4 mi de jovens
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
Quase 3,4 milhões de crianças e
jovens no Brasil podem estar sofrendo de problemas emocionais
que exigem tratamento imediato,
não necessariamente medicamentoso. Eis o alerta de uma pesquisa que a Universidade de São
Paulo e a Universidade de Londres acabam de concluir.
O estudo, que nasceu em 1999,
pretendia quantificar a ocorrência de transtornos psiquiátricos
na população com idade entre sete e 14 anos. Para tanto, analisou
1.251 alunos de 22 escolas públicas
e de quatro escolas privadas.
Os 662 meninos e as 589 meninas viviam em Taubaté -cidade
paulista que abriga cerca de 244
mil habitantes. Os pesquisadores
a escolheram pelo fato de exibir
índices socioeconômicos similares aos de outros municípios das
regiões Sul e Sudeste.
Nunca um trabalho do gênero
no país se valeu de amostra tão
extensa. A conclusão: 12,5% dos
alunos examinados acusaram
uma ou mais patologias.
Projetando a cifra nacionalmente, como é praxe em levantamentos epidemiológicos, os especialistas chegaram aos 3,4 milhões. Claro que o cálculo embute
uma certa distorção -uma vez
que a realidade de Taubaté não
corresponde à da Amazônia ou à
do agreste nordestino.
Mesmo assim, os cientistas julgam os 3,4 milhões um número
representativo. "Superestimado
não está. Arriscaria dizer justamente o contrário: talvez esteja
um pouco aquém da verdade",
defende a psiquiatra infantil Bacy
Fleitlich Bilyk, 35, que coordenou
o estudo na USP. O inglês Robert
Goodman, também psiquiatra infantil, chefiou a empreitada em
Londres, e o fundo britânico The
Wellcome Trust bancou o custo
de US$ 350 mil.
Bilyk argumenta que, se a amostra incluísse municípios menos
prósperos, a taxa de 12,5% subiria
-"já que a pobreza constitui um
importante fator de risco para
doenças psiquiátricas".
A porcentagem encontrada, de
todo modo, é inferior à de um levantamento semelhante feito nos
EUA. Supera, porém, as obtidas
em investigações inglesas e indianas (veja quadro nesta página).
Brigas e furtos
Quem quiser comparar as constatações de Bilyk e Goodman com
estatísticas oficiais enfrentará sérios percalços. O governo federal
não possui dados precisos sobre o
assunto. "Desconhecemos quantas crianças e adolescentes brasileiros padecem de distúrbios
mentais", afirma o psiquiatra Pedro Gabriel Delgado, do Ministério da Saúde.
Não à toa, faltam no país serviços públicos que priorizem tal
clientela. Apenas em 2002 é que
surgiram os Centros de Atenção
Psicossocial Infanto-Juvenis.
Com recursos do SUS, formam
uma rede ainda tímida, que soma
32 ambulatórios, distribuídos por
12 Estados.
Para a maioria dos garotos que
manifesta patologias daquela natureza e não pode frequentar clínicas particulares, sobram os postos de saúde. Ou, nos casos graves, os educandários gratuitos.
"Em ambas as situações, o atendimento deixa muito a desejar",
avalia Delgado.
Antes de Bilyk e Goodman explorarem o tema, o psiquiatra e
epidemiologista Naomar de Almeida Filho -hoje reitor da Universidade Federal da Bahia- seguiu trilha parecida. Em 1981, numa comunidade pobre de Salvador, examinou 828 moradores
que tinham entre cinco e 14 anos.
O resultado da sondagem se revelou alarmante: 23% amargavam
distúrbios emocionais.
Como o trabalho empregou critério diagnóstico de 1969, acabou
envelhecendo. Já a nova pesquisa
se baseia na CID-10 -a mais recente versão da célebre Classificação Internacional de Doenças,
produzida pela Organização
Mundial da Saúde.
Em Taubaté, os cientistas não
acharam evidências de esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva ou autismo. Mas identificaram
outros cinco tipos de transtornos:
Os de comportamento - Afetavam 7% dos alunos. As vítimas
demonstram agressividade intensa e desafiam constantemente as
normas sociais. Provocam brigas,
praticam pequenos furtos, enfrentam autoridades, maltratam
animais, causam incêndios e utilizam armas.
"Não estamos, aqui, no terreno
tão corriqueiro da revolta juvenil
ou das birras de criança", esclarece Bilyk. "As patologias de conduta pressupõem algo bem mais severo, com danos consideráveis
para o paciente e para aqueles que
o cercam."
As ansiedades - Atingiam 5,2%
dos estudantes. Incluem as compulsões e obsessões, as fobias (de
altura, de avião, de chuva, de insetos, de multidão, de lugares abertos, de escola etc.) e o medo de se
separar dos pais.
A hiperatividade - Acometia
1,5% da amostra. O quadro combina agitação em excesso, dificuldade para se concentrar e atitudes
impulsivas.
A depressão - Afligia 1% dos
meninos e meninas.
As disfunções alimentares -
Apareciam em somente 0,2% dos
analisados. Abrangem a anorexia
nervosa, a bulimia e demais doenças associadas à culpa de comer.
Violência doméstica
De acordo com Bilyk, que atua
no Instituto de Psiquiatria da
USP, todos os tipos de transtorno
dependem "de um tripé" para
eclodir -a propensão genética, a
maneira como a psique de cada
pessoa se estrutura e motivações
externas (ou ambientais). Entre as
últimas, o estudo detectou pelo
menos quatro.
"Presenciar ou sofrer violência
doméstica, ter parentes próximos
com problemas emocionais e estar sob os efeitos da pobreza aumentam a probabilidade de
crianças e adolescentes desenvolverem algum distúrbio", adverte a
pesquisadora. Ela também ressalta que, quanto mais cedo vier a
ajuda, maiores as chances de cura.
Sem cuidados corretos, os males podem recrudescer e empurrar o paciente para o desemprego,
o baixo desempenho escolar, o
abuso de substâncias químicas e
mesmo a criminalidade.
O tratamento varia muito. Em
certos casos, bastam sessões psicoterápicas individuais e familiares ou programas educativos que
ensinam pais e professores a lidar
com a situação. Outras vezes, é
conveniente o uso de remédios.
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