|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Menina tinha medo de engordar quando engolia a própria saliva
DA REPORTAGEM LOCAL
Saliva engorda. A idéia absurda
atormentava Débora (nome fictício) o tempo inteiro. Como sonhava em ter o corpo da modelo
Gisele Bündchen, a menina -hoje com dez anos- não parava de
cuspir. Pensava: "Se engolir a saliva, vou estourar de gorda".
Quando o estranho comportamento surgiu, há uns 15 meses,
Débora exibia as medidas modestas de sempre: 36 kg, distribuídos
por 1,50m de altura. Era magra,
mas se considerava longe do ideal
que concebera para si. Estava sofrendo de anorexia nervosa.
A doença se caracteriza justamente pelo medo de ganhar peso.
Um temor intenso, que conduz à
distorção da imagem corporal.
Enxergando-se gordo, o paciente
deixa de comer.
A literatura especializada informa que a anorexia atinge sobretudo garotas de 13 e 14 anos. O distúrbio, entretanto, vem se antecipando. "Já o diagnostiquei em
crianças de nove e dez anos, algo
que dificilmente ocorria no início
da década de 90. É um fenômeno
ainda minoritário, só que, agora,
bem menos incomum", atesta
Maurício de Souza Lima, médico
do Hospital das Clínicas (HC), em
São Paulo, que trabalha na Unidade de Adolescentes.
A psiquiatra Bacy Fleitlich Bilyk
concorda. "Há, sim, dentro e fora
do Brasil, uma tendência de o
problema despontar mais precocemente." Desde 2001, ela coordena o Protad-Ambulim -Projeto
de Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares
na Infância e Adolescência.
Trata-se de um ambulatório, ligado ao Instituto de Psiquiatria
do HC, que funciona gratuitamente às quartas-feiras. Ali, não
raro, aparecem meninas muito
novas e anoréxicas.
O psicanalista e também psiquiatra Domingos Paulo Infante
-que participa, no Ministério da
Saúde, de um estudo sobre o desenvolvimento infantil- reitera
o testemunho dos colegas e arrisca uma explicação.
"As crianças estão amadurecendo mais cedo, seja por motivos
culturais, seja pelo avanço da medicina, que lhes apressa o crescimento. Em consequência, questões típicas da puberdade, como o
desejo de se manter magro, desabrocham antes."
O caso de Débora ilustra perfeitamente a tese. A garota -de
classe média e moradora da Grande São Paulo- conversou com a
Folha no Protad-Ambulim, que
frequenta há sete meses. A mãe
descobriu o serviço depois de peregrinar, sem sucesso, por pediatras e psicólogos.
A menina pesava 26 kg quando
bateu no ambulatório. De tão
miúda, caminhava muito devagar
e tremia de frio. Sessões de psicoterapia, aliadas à orientação de
uma nutricionista, a curaram.
Com atuais 39 kg e 1,55 m, Débora
abandonou o horror -e a culpa- de se alimentar.
(AA)
Folha - Por que você decidiu parar de comer?
Débora - Porque umas chatas lá
da escola me chamavam de baleia
assassina. Eram garotas bobas,
que me odiavam e riam de minha
barriguinha. Eu continuava magra como sempre, mas meu estômago andava um pouco redondo.
Meio inchado, entende? No começo, não liguei para as provocações. Só que, com o tempo, veio a
cisma. Queria me tornar modelo.
Adorava a Gisele Bündchen -o
jeito dela, os olhos, os cabelos... Se
eu engordasse, babau, adeus, sonho de passarela. Resolvi, então,
diminuir a comida.
Folha - De que modo?
Débora - Cortei, primeiro, o pão.
As revistas de boa forma costumam avisar que pão é um perigo.
Depois, tirei doces, açúcar e sal.
Folha - O sal?
Débora - Sim, porque se parece
com o açúcar. Raciocinei: deve
causar o mesmo estrago. Fui cortando tudo. Quando vi, comia
apenas um hambúrguer assado
no almoço e outro no jantar.
Hambúrguer sem pão, né? De
manhã, tomava leite e mais nada.
Folha - Não tinha fome?
Débora - Tinha, bastante. E saudade também -de pizza, de chocolate, de batata frita. Mas, se comesse, imaginava que iria engordar na hora. Tipo assim: comi e,
bum!, explodi. Até a saliva me incomodava. Minha mãe me dava
bronca, implorava: "Come, come!". Acontece que, magrinha,
me sentia lindona. Brincava de
desfilar no shopping.
Folha - E hoje?
Débora - Desisti da carreira de
modelo. Gisele Bündchen é a
maior feia! Desejo, agora, virar a
Avril Lavigne [cantora pop". Soube que aquela ali come à beça.
Texto Anterior: Especialistas refletem sobre pesquisa da USP Próximo Texto: Saúde: Descuido com lesão torna o pé vulnerável Índice
|