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GILBERTO DIMENSTEIN
Homem é o sexo frágil
O assaltante Marcos Meneses deu um soco na cara
de Ana Cláudia Rufino, jogou-a
no chão e tentou roubar-lhe a bolsa. A cena não teria virado notícia de jornal, na semana passada,
em São Paulo, se a vítima tivesse
permanecido caída, desamparada, no chão.
Agarrada à bolsa, Ana Cláudia
não chorou nem pediu socorro.
Levantou-se e esmurrou o ladrão.
Diante da platéia indignada,
Marcos quis disfarçar, disse que se
tratava de uma briga de casal,
ninguém metesse a colher em briga de marido e mulher. Foi aí que
ela ficou ainda mais enfurecida e
voltou a distribuir socos para ele
deixar de ser mentiroso. Jamais
teria uma relação amorosa com
gente daquele tipo.
No final, Ana Cláudia, faixa
verde de judô, soube fazer piada.
Na delegacia, onde foi tratada como heroína, perguntaram-lhe se
continuaria reagindo com murros a futuras tentativas de assalto.""Só se eu estiver com TPM",
ironizou.
Será que não é puro preconceito
tratar as mulheres como frágeis, a
ponto de conceder-lhes, como fez
o relatório da reforma de Previdência, tratamento vantajoso em
relação aos homens?
Ainda vai demorar muito tempo -se é que isso algum dia vai
acontecer- para as mulheres
derrubarem os homens no muque. Mas, apesar de todas as discriminações, é bobagem classificá-las de "sexo frágil". Não há nenhum político (vamos repetir, nenhum) discutindo se é apropriado
ou não o direito da mulher de
aposentar-se mais cedo. Por quê?
Todos sabem que a mulher tem
expectativa de vida maior que a
do homem. Sabedoria da natureza. Não raro, passado o luto, a
viúva sente-se incofessavelmente
até melhor, livre de tantas obrigações domésticas. Já o homem viúvo, se estiver velho, tende a virar
um abandonado irremediável.
Mas a força do sexo feminino
está menos na natureza que nos
avanços sociais.
As estatísticas estão mostrando
que, no Brasil, a exemplo do que
ocorre na maioria dos países, a
mulher é maioria nas escolas, tira
as melhores notas e vai aumentando sua participação no mercado de trabalho. De cada 10 novos
empregos gerados na região metropolitana de São Paulo, 7 são
ocupados por mulheres.
Para descobrir a alma e, principalmente, o bolso feminino, a
Bolsa de Valores de São Paulo
(Bovespa) realizou uma pesquisa
com mulheres de nove regiões metropolitanas brasileiras, comparando seus anseios e comportamento com as expectativas e hábitos masculinos. A pesquisa detectou que elas lêem mais livros
do que eles e apostam mais no valor da educação.
Indagadas sobre o que tem feito
a vida melhor do que há dez anos,
elas apontaram, entre outras coisas, a evolução no emprego e no
salário, além de mais facilidade
para abrir o próprio negócio.
Se a regra da sociedade do conhecimento não mudar -o valor
do profissional está em seu apego
à educação permanente-, os homens se tornarão o sexo frágil.
Além de viverem mais, as mulheres vão eliminar as inaceitáveis
disparidades de renda, conquistar os melhores empregos e abocanhar os salários mais altos pela
simples razão de que estão mais
preparadas para os desafios do
mundo moderno.
É apenas uma questão de tempo elas ocuparem, no Brasil, a
Presidência da República. Na
eleição passada, não fosse um tropeço, Roseana Sarney teria, pelo
menos, estado no segundo turno.
Para se eleger, Lula teve de investir, como nunca um candidato investiu, no eleitorado feminino,
distribuindo em cima do palanque juras de amor a Marisa; Ciro
Gomes descambou de vez, no pleito, depois que fez piadas de mau
gosto sobre Patrícia Pillar, sua
mulher.
Luiza Erundina ainda não aparece nas pesquisas, mas é, até agora, a candidata de maior viabilidade para eventualmente derrotar Marta Suplicy -a maior cidade brasileira seria disputada
por duas mulheres.
Dizem os especialistas que o perfil do futuro profissional se encaixa melhor nas habilidades femininas: intuição, capacidade de
trabalhar em grupo, sensibilidade
e percepção das emoções.
Qual o motivo, então, de todos
os legisladores e dirigentes sindicais nem sequer questionarem a
aposentadoria privilegiada destinada às mulheres? Só o preconceito explica esse silêncio.
Ocorre, então, duplo privilégio.
Os servidores em geral ganham
na aposentadoria o que nenhum
trabalhador ganha -e, entre os
já privilegiados funcionários públicos, as mulheres são as grandes
privilegiadas. Isso significa querer
bater como homem -ou seja, ganhar todos os direitos- e apanhar como mulher, recebendo deferência especial com base em
uma preconceituosa fragilidade.
PS - Permaneceram tantos privilégios para os servidores pelo
simples motivo de que o contribuinte brasileiro não tem lobby
organizado. É quem paga a conta, mas nem de longe consegue se
articular politicamente e pressionar os legisladores, como fazem
os magistrados, por exemplo.
Ainda vai chegar o dia (e não está
longe) em que se vai encarar com
estranheza e perplexidade o fato
de um indivíduo trabalhar quase
quatro meses num ano apenas
para manter o poder público e
pouco receber em troca. Será bem
mais estranho do que ver uma
mulher na rua surrando um assaltante diante de homens acovardados.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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