São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GILBERTO DIMENSTEIN

O colecionador de vozes


De Santos Dumont a Thomas Edison, passando por Ghandi e Villa-Lobos, todos eles estão na "vozteca" de Kawall

NA FALTA DA VOZ ORIGINAL DE LAMPIÃO , Luiz Ernesto Machado Kawall, 81, teve de se contentar com a gravação de uma sessão de umbanda em que, dizia-se, o cangaceiro tinha baixado num pai-de-santo. Kawall colecionou tantas vozes que criou, no seu apartamento, onde mora sozinho, o que ele batizou de "vozteca".
O hobby acabou virando museu.

 
Entre os orgulhos de Kawall está a gravação da voz de Santos Dumont, obtida na garimpagem de um museu dos Estados Unidos. "É uma voz raríssima." Ou a primeira gravação, feita por Thomas Edison, em 1877. Ao todo, ele catalogou 3.000 vozes. De discursos de Ruy Barbosa a comentários do escritor Mário de Andrade, passando por discursos de Gandhi ou falas do compositor Villa-Lobos, até locuções raras de jogos de futebol -uma delas, um gol de Leônidas, do São Paulo.
Todo esse material era mostrado, no início, aos familiares, especialmente para os netos, que se divertiam com os sons estranhos acompanhados das histórias sobre os personagens contadas pelo avô. Os meninos saboreavam as vozes de Monteiro Lobato.
Sua coleção chamou a atenção, inicialmente, de pesquisadores, de alunos em busca de ilustração para pesquisa escolar e, enfim, de curiosos. Surgia assim, aos poucos, um museu dentro de casa.
 
A mania começou quando ele ganhou um disco com depoimentos de políticos, entre os quais Carlos Lacerda, a quem Kawall tinha assessorado. Desde então, foi acumulando pilhas de discos de vinil, fitas cassetes e CDs.
As vozes tiraram seu prazer de outros hobbies de Kawall, que também colecionava passes de bonde, selos e literatura de cordel -os 5.000 livros de cordel foram doados para o músico e dançarino Antônio Nóbrega, pesquisador das tradições nordestinas.
O hobby ganhou status profissional na década de 1970, quando Kawall trabalhou como diretor técnico do Museu da Imagem e do Som, em São Paulo.
 
Ele mora num lugar estratégico para um colecionador. Seu apartamento-museu fica em frente à praça Benedito Calixto, onde todos os sábados ocorre uma feira de antiguidades -e onde ele também expõe, numa barraca, parte de sua coleção.
Seu projeto é eternizar seu museu -por isso, agora, está estudando como digitalizar toda a sua coleção e facilitar a consulta. Ele diz que nunca conseguiu entender direito por que se seduziu por esse hobby. Mas tem uma suspeita: "A voz é o estado de alma. É a coisa mais autêntica que fica de uma pessoa".
No caso de Kawall, ficarão não uma, mas milhares de vozes.


Texto Anterior: Governo e policiais têm reunião hoje para tentar acordo
Próximo Texto: A cidade é sua
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.