São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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SISTEMA PRISIONAL

Após a destruição parcial de Bangu 1 em motim de presos, governo do Rio tenta eliminar vulnerabilidades

Rebelião derruba mito da segurança máxima

DA SUCURSAL DO RIO

DA REPORTAGEM LOCAL

O governo do Rio promete transformar Bangu 1, onde ficam detidos os principais chefes do tráfico de drogas no Estado, de novo em um presídio de segurança máxima. A reforma iniciada na semana passada, orçada em R$ 714 mil, inclui a instalação de bloqueador de celulares, um parlatório com grade de aço -que será usado inclusive pelos advogados dos presos-, câmeras blindadas e novos detectores de metais.
O status de Bangu 1 como penitenciária de "segurança máxima" foi posto em dúvida pela rebelião que resultou em quatro mortes de traficantes rivais do Comando Vermelho, no dia 11 deste mês, e pelas gravações do Ministério Público que mostraram presos, como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, fornecedor de drogas para o CV, ainda comandando seus negócios.
Inaugurado em 1988, com capacidade para 48 detentos em celas individuais, Bangu 1 foi planejado para isolar presos que exerciam liderança negativa dentro do sistema penitenciário. Passados 14 anos, simboliza o atual estágio de poder do crime organizado e a precariedade das prisões no país.
Conforme resolução da Secretaria da Justiça do Estado, a unidade deverá funcionar em um regime especial, parecido com o que existe hoje em três presídios de São Paulo para tentar conter a influência do PCC (Primeiro Comando da Capital) e de outras facções criminosas. Um deles, o CRP (Centro de Reabilitação Prisional) de Presidente Bernardes (589 km de São Paulo) é o único do país com bloqueador de celular -hoje, o principal meio de articulação do crime organizado.
Mas regime diferenciado é exceção, não a regra, segundo a lei prisional. Pode ser aplicado apenas por um período determinado.
""Querem que pessoas como Fernandinho Beira-Mar, entre outros, cumpram pena de 30 anos em presídios desse tipo. Eu até acho que deveria, mas então o Congresso precisa aprovar uma lei nesse sentido", afirma o secretário da Administração Penitenciária de São Paulo, Nagashi Furukawa, 53.
De especialistas ouvidos pela Folha na Colômbia, país que encarcerou e vigia narcotraficantes internacionais e guerrilheiros, vem a principal recomendação para controlar essas organizações paralelas: não bastam presídios de ponta e equipamentos de última geração se os homens que vigiam as cadeias se corrompem.
""Você pode ter os melhores equipamentos do mundo e, se as pessoas que cuidam são corruptas, sair pela porta da frente", afirma Gerardo Reyes, repórter para a América Latina de ""El Nuevo Herald" e membro da equipe do jornal ""Miami Herald" que ganhou o prêmio Pulitzer em 99.

História
Quando começou a funcionar, Bangu 1 tinha um sistema informatizado que permitia o controle das celas sem que os agentes tivessem contato direto com os presos. "O presídio foi todo informatizado para que o agente penitenciário não precisasse carregar chaves e cadeados, como aconteceu no dia da rebelião. A impressão que eu tenho é que esse sistema enguiçou e ninguém consertou", afirma Oswaldo Deleuze, diretor do Desipe (Departamento do Sistema Penitenciário) na época da inauguração da unidade.
Na última rebelião do CV, agentes prisionais rendidos pelos presos entregaram cópias das chaves das celas, o que facilitou o assassinato de quatro traficantes rivais. O presença das chaves lá dentro está sendo investigada pela polícia do Rio.
Outro erro apontado pelo ex-diretor é a tolerância com a apropriação do local pelos presos. "As imagens da televisão depois da rebelião mostram as celas pintadas, com cartazes dos presos", diz Deleuze. Para ele, detalhes como esse acabam diminuindo a autoridade do poder público.
Marcelo Freixo, presidente do Conselho da Comunidade (que fiscaliza e participa da administração do sistema penitenciário), critica o uso do local como opção de confinamento permanente.
"Bangu 1 foi criado como um presídio para castigo. Há um descumprimento da lei, pois não existem, por exemplo, atividades de trabalho ou espaço físico adequado para o confinamento. O local virou uma prisão de ociosidade máxima, uma fábrica de loucos", afirma Freixo.
O governador do Estado no ano da construção de Bangu 1, Moreira Franco (PMDB), discorda de Freixo e diz que a prisão não foi pensada como um local de castigo, mas como um local com procedimentos mais rigorosos para isolar criminosos.
"A diferença era que o presídio tinha procedimentos diferentes de outros de segurança máxima. Lembro-me de ter tido problemas com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na época, porque proibi a entrada de advogados que não tivessem clientes presos", diz o ex-governador.
Todos concordam, no entanto, que uma das principais falhas de Bangu 1 é a deterioração dos equipamentos de segurança. "Havia uma deterioração absurda dos detectores de metais, por exemplo. Além disso, as condições de trabalho são muito negativas. Os alojamentos dos agentes penitenciários chegam a ser piores do que as celas dos presos", diz Freixo.

Reconstrução
A reforma iniciada na semana passada pelo Desipe para recuperar os equipamentos de segurança ainda não tem prazo para acabar. O novo diretor do órgão, o major da PM Hugo Freire, afirma que ela será capaz de tornar Bangu 1, novamente, uma penitenciária de segurança máxima.
Para lá serão devolvidos Beira-Mar e os outros 24 presos transferidos depois da rebelião do dia 11.
O traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, apontado pela polícia como responsável pela morte do jornalista Tim Lopes, da Rede Globo, também deve ficar em Bangu 1, ao final da reforma.
No lugar dos agentes penitenciários do Desipe, afastados da unidade, 50 policiais militares serão recrutados em turmas recém-formadas, segundo anúncio do governo do Rio da última sexta.
A administração do lugar passou do controle da Secretaria da Justiça, que cuida dos presídios fluminenses, para a Secretaria da Segurança após a crise deflagrada pela rebelião liderada pelo traficante Beira-Mar.


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