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Para d. Paulo, igreja viu regime militar ruir
DA REPORTAGEM LOCAL
A missa de reabertura da catedral da Sé obrigou o arcebispo emérito de São Paulo, cardeal dom Paulo Evaristo Arns, 81, a rever a agenda. "Evidente que vou", respondeu à reportagem, na última sexta-feira, por telefone. "Desisti de duas ordenações de padres, na mesma hora. A catedral é o nosso coração. É mais do que uma simples igreja", afirmou.
Das três décadas nas quais atuou como arcebispo metropolitano, dom Paulo guarda muitas histórias da igreja onde se sentia "como sendo povo". Mas são as
celebrações que se transformaram em atos contra o regime militar as lembranças recorrentes. Leia trechos da entrevista:
Folha - O que o sr. acha da idéia
de a catedral ter uma unidade museológica com exposições?
Dom Paulo Evaristo Arns - Eu
acho muito interessante a idéia de
explorar o centro da cidade, para
abrir os olhos dos paulistanos a
respeito das coisas boas e bonitas
que existiram antigamente, e que
hoje envelheceram ou talvez foram prejudicadas pelo progresso.
Folha - Quais são as histórias
mais importantes que a catedral
terá para contar aos paulistanos?
Dom Paulo - O que pode ser objeto de discussão é a própria idéia
de uma catedral gótica dentro de
uma cidade totalmente moderna.
Mas dom Duarte Leopoldo e Silva, em 1912, aceitou o projeto alemão e começou a executá-lo.
Folha - A importância arquitetônica não é ofuscada por outros fatos históricos que tiveram a catedral como pano de fundo?
Dom Paulo - Sim, houve coisas
muito importantes. Uma delas foi
a missa por Alexandre Vanucchi
Leme, em 1973. Levantou todos os
estudantes da USP, e muitos outros, e acordou o povo de São
Paulo para uma reação pacífica ao
regime. O mesmo aconteceu em
1975, com Wladimir Herzog.
Sabe que nunca nós fizemos nada por motivos políticos, mas
sempre por motivos religiosos,
celebrando a morte e a ressurreição, ou a união do povo, ou muitas vezes também, quando eram
presos os operários, celebrando a
liberdade que Deus nos garante
como seres humanos.
Folha - Foi involuntariamente
que a catedral acabou se transformando em um símbolo da resistência ao regime militar?
Dom Paulo - Eu acredito que foram as duas coisas. A praça da Sé,
naquele tempo, ainda era livre,
não tinha as construções do metrô nem outros empecilhos, e se
prestava bem para reuniões de
massa. Na catedral, quando bem
cheia, chegamos a contar 10 mil
pessoas. As cerimônias quase que
eram obrigatoriamente feitas lá.
Folha - Quais foram os momentos
mais críticos?
Dom Paulo - O que mais impressionou a todo mundo foi certamente a cerimônia ecumênica em
favor de Wlado Herzog. A catedral estava repleta. Eu me lembro
da palavra de dom Hélder Câmara, atrás de mim: "Com esse ato, o
regime, tão pesado, começa a ruir,
começa a enfraquecer-se, porque
o povo acordou para uma resistência". Parece-me que essa palavra se realizou ao pé da letra.
Folha - E das lembranças afetivas,
quais o sr. destaca?
Dom Paulo -Ah, sim, tivemos
muitas celebrações importantes.
A ordenação de cinco bispos, ao
mesmo tempo, em 1975. Foi um
momento em que São Paulo se
transformou. Em vez de termos
dois ou três bispos, chegamos a
ter dez, 11 bispos, todos muito
unidos. Eu me lembro de muitos
outros casos. Por exemplo, daqueles que foram desenterrados
do cemitério de Dom Bosco [presos políticos mortos durante o regime, enterrados como indigentes no cemitério da zona norte" e
levados para catedral. Aquilo deu
uma impressão ao Brasil inteiro
como sendo uma espécie de reparação contra o mal feito a essa
gente, entre eles muitos idealistas.
Folha - Como o sr. se sente na catedral?
Dom Paulo - Eu me sentia como
sendo povo, e o povo parecia sentir que, na catedral, a gente podia
dizer tudo, porque Deus não tem limite em sua generosidade.
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