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COMPORTAMENTO
Plásticas desnecessárias motivaram investigação sobre preocupação com defeito imaginário na aparência
Obsessão com forma física é alvo de estudos
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Julia, 16, é linda, morena, tem
olhos verdes, formas e medidas
perfeitas. Mas não gosta da barriga. Não tira as blusas largas, mesmo no verão. Se acha que comeu
demais, tranca-se no quarto por
dias, não atende o telefone.
Aos olhos dos outros, sua barriga é tão perfeita quanto as outras
partes de seu corpo. A seus olhos,
é uma "coisa horrível", que a atormenta e a deprime.
Julia passa horas diante do espelho, mas a imagem que vê não é
aquela que o espelho reflete.
A adolescente sofre de dismorfia da imagem, ou Distúrbio Dismórfico Corporal. Trata-se de
uma preocupação excessiva com
um defeito imaginário na aparência física, uma desordem grave já
classificada como doença.
Ela optou por fazer terapia, mas
muitos que sofrem como ela
-homens e mulheres- se refugiam em dietas drásticas, exercícios físicos exagerados, medicamentos ou cirurgias plásticas.
O resultado costuma ser pior
ainda. A situação preocupa tanto
que pelo menos dois trabalhos estão sendo publicados em São Paulo sobre o tema. Em um deles, um
grupo do Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) validou
um questionário auto-aplicável
que mede o nível de "transtorno
da imagem corporal". Ao responder 34 perguntas e contabilizar os
pontos, a pessoa saberá se seu
transtorno é leve, moderado ou
grave (leia o teste nesta pág.).
A indicação para quem estiver
nas duas últimas classificações do
teste será um terapeuta, não um
cirurgião plástico.
"Foi o número de pessoas procurando por cirurgias plásticas
desnecessárias e frequentadores
de academia que nunca estão
contentes com seus músculos que
nos chamaram a atenção", diz
Dartiu Xavier da Silveira, um dos
autores da tese que validou o
questionário juntamente com
Mônica Cristina Di Pietro e
Evelyn Doering Xavier da Silveira.
O texto adotado como modelo
foi o Body Shape Questionnaire
(BSQ), de Z. Cooper e colaboradores, de 1987, validado inicialmente com 535 mulheres inglesas
comparadas com 38 pacientes bulímicas. Em 1995, o teste foi validado nos EUA com pacientes
portadores de alteração de imagem corporal, obesos que faziam
dietas e universitárias.
No Brasil, o questionário foi validado com a participação de 164
estudantes de ambos os sexos frequentando os três primeiros anos
do curso de medicina da Unifesp.
"O questionário pode detectar
desde um vaidoso extremo até
um anoréxico", diz Mônica Di
Pietro. "Do ponto de vista patológico, é para investigar transtornos
alimentares. Na cirurgia plástica,
ele permite investigar o que há
por trás da imagem que o paciente faz de si mesmo."
Da cama para a mesa
O outro trabalho, que acaba de
ser publicado, foi realizado por
Mara Cristina Souza de Lucia e
Kátia Osternack Pinto, as duas da
Divisão de Psicologia do Instituto
Central do Hospital das Clínicas
de São Paulo.
Elas entrevistaram 346 adultos
"normais" da cidade de São Paulo
com o objetivo de medir o Distúrbio Dismórfico Corporal, ou a
preocupação com um "defeito
imaginário na aparência física"
que acarreta prejuízos afetivos e
sociais na vida da pessoa.
Mara de Lucia, que também
preside o Centro de Estudos em
Psicologia da Saúde, diz que a
pesquisa confirma o "relacionamento com o corpo como um dos
maiores problemas atuais".
"O pecado migrou da cama para a mesa, não é mais o sexo, é a
comida", ela diz. "O corpo perdeu
o sentido de ser um veículo de experiências, do sentir, do fazer sexo. O corpo hoje é só um objeto de
apresentação, para ser olhado, fotografado. É para ser insinuado,
desejado, mas um desejado que
não vai ser vivido."
A pesquisa mostrou que 17%
dos entrevistados tinham prejuízos sociais e pessoais decorrentes
da preocupação com a aparência,
como problemas na escola, no
trabalho e nos relacionamentos.
Cerca de 67% das mulheres se
"imaginam cortando porções de
seu corpo em cirurgias plásticas"
e 5,6%, entre homens e mulheres,
já fizeram uma plástica e continuavam esperando por outra.
"É um problema emocional em
relação a um defeito que ele imagina e amplia", diz Mara de Lucia.
"O feio para ele toma dimensões
tão enormes que só sai à noite ou
evita encontros por vergonha."
Na pesquisa, 36% das mulheres
disseram não gostar de uma parte
do corpo, 18% não gostam de
duas e 4% não gostam de nenhuma parte. A barriga é a parte que
menos gostam: 33% das mulheres
e 22% dos homens afirmaram
não gostar dela.
O Hospital das Clínicas atende
pacientes que sofrem de distúrbios da imagem corporal, compulsão alimentar e obesidade. São
400 vagas.
Centro de Estudos em Psicologia: tel. 0/
xx/11/3064-3186
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