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CRIME ORGANIZADO
Secretária Nacional de Justiça, Claudia Chagas, diz que medida permite maior controle de presos mais perigosos
União só dará verba para presídio pequeno
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo federal quer modificar a gestão do sistema penitenciário em todo o país.
A secretária nacional de Justiça,
Claudia Chagas, 39, diz que projetos estaduais só receberão dinheiro de Brasília se estiverem de
acordo com as mudanças.
Integrante da equipe do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Claudia Chagas falou à Folha
na última quinta-feira.
Pregou o fim dos grandes complexos penitenciários. Disse que
presídios pequenos facilitam o
controle de bandidos de alta periculosidade.
A política do governo Lula para
o setor penitenciário estimulará,
segundo ela, a aplicação de penas
alternativas, a inserção dos presidiários em programas como o
"Primeiro Emprego" e a implantação de cinco presídios federais.
Folha - O que dá mais trabalho na
gestão do sistema penitenciário?
Cláudia Chagas - Conseguir a
parceria dos Estados, fazer com
que invistam. A queixa é sempre a
mesma: que não têm dinheiro para investir nem nas coisas deles,
quanto mais em preso. Com as
verbas do Fundo Penitenciário, a
gente [o governo federal] entra
com uma parte ou até com todo o
dinheiro para construir os presídios, para equipá-los. Mas quem
não estiver dentro do novo modelo, das novas regras, não vai mais
receber recursos.
Folha - Como é o novo modelo?
Chagas - Não vai mais sair daqui
dinheiro para [a construção de]
presídio que não tenha sala de aula, local adequado para visitas, para encontro entre o preso e seu
advogado. Não vamos mais financiar complexos. Todo mundo
fala em endurecimento. Temos
que endurecer, mas precisamos
selecionar os casos. Colocar uma
pessoa que roubou um toca-fitas
e que não tenha antecedentes criminais junto com traficantes só
irá torná-lo mais propenso a cometer crimes. Ele sairá da cadeia
pior do que entrou.
A futura penitenciária federal
vai abrigar 200 presos, divididos
em grupos de 50 que quase não terão ligação um com o outro. É um
avanço no combate ao crime organizado. Quebra a rede. A capacidade de controle sobre o preso
de alta periculosidade é bem
maior. Não há país no mundo que
tenha resolvido seu problema de
segurança apenas prendendo.
Por um lado, você tem Fernandinho Beira-Mar, o PCC... Esses
não têm jeito. Precisam de controle total. Mas 90% da população
carcerária tem perfil diferente.
Precisa de ressocialização. E o sistema [penitenciário] não está
pronto para isso.
Folha - Qual é a proposta para esse segundo grupo?
Chagas - Investir na progressão
do regime e em penas alternativas. Não estou falando de distribuição de cestas básicas, que é o
que todo mundo pensa.
Temos convênios assinados
com quase todos os Estados, garantindo uma estrutura -com
assistente social, juiz e promotor-, financiada pelo Fundo Penitenciário, para viabilizar a aplicação das penas alternativas, como serviços comunitários, limitações de finais de semana...
Pena alternativa não está errado, não é impunidade. Quando
levam o toca-fitas do seu carro,
quando furtam sua casa -e isso
já aconteceu comigo-, você xinga, tudo o que você quer é que a
pessoa seja presa. Mas esse sentimento não pode se sobrepor à necessidade de recuperar o preso.
A gente precisa se lembrar de
que, cumpridos dois terços da pena, ele vai voltar à sociedade. Então, precisamos trabalhar na progressão do regime. Matou a mulher? Vai para a cadeia. Mas a partir daí temos que prepará-lo para
o dia da volta.
Folha - Esse trabalho existe hoje?
Chagas - Acho que não. A sociedade não quer, o Estado não investe. Preso não é um tema popular. Nós vamos prender, sim, mas
vamos selecionar, mudar a gestão
dos presídios, dar educação, saúde, inserir o preso em uma atividade laboral. E não estou falando
de ficar costurando bola, um trabalho que ele dificilmente vai
achar quando sair da penitenciária, nem de atividade agrícola para os que vierem de regiões em
que não poderão fazer isso quando retornarem à sociedade. Faremos levantamento sobre as empresas e organizações que querem
receber esse tipo de profissional.
A participação do Estado no sistema penitenciário tem que ser
diferente, não pode se limitar a tirar o preso de circulação. O preso
dever ser inserido nas políticas
públicas, tem que estar no programa Primeiro Emprego, no projeto
do Ministério da Educação para
combater o analfabetismo, no
atendimento da rede SUS [Sistema Único de Saúde] -já existe
uma portaria assinada e técnicos
trabalhando para implantar esse
tipo de assistência. Se as coisas
continuarem do jeito que estão,
sem um controle rígido da liberação dos recursos, eu não vou dizer
que estamos jogando dinheiro fora, mas o sistema carcerário seguirá o mesmo.
Folha - Como está a receptividade
dos Estados a isso?
Chagas - Eles estão preocupados
com a questão da segurança, querem firmar convênios. Mas ainda
não conseguimos sensibilizá-los
para a importância de fazer seus
próprios investimentos. Todo
mundo só quer que o Estado
prenda.
Nosso foco -é óbvio que nos
casos em que isso for possível-
será buscar penas alternativas. E
isso também nos ajuda a resolver
o problema da superlotação. Em
São Paulo, nos dois primeiros meses do ano, foram presas 3.400
pessoas. Já pensou quantas penitenciárias teríamos que construir
para abrigá-las?
Folha - Quando começará a ser
construída a penitenciária federal?
Chagas - Estamos acertando os
últimos detalhes para construir
esse primeiro prédio. Teremos
quatro outros presídios federais.
Isso não significa necessariamente que vamos construí-los.
Podemos federalizar penitenciárias com a concordância dos
Estados. Nossa idéia era começar
por Bangu 1 [no Rio de Janeiro],
mas não houve acordo com o governo estadual. Enfim, serão prédios para presos de alta periculosidade. Isso [presos sob custódia
federal] ajudará no combate ao
crime organizado porque quebrará as cadeias das quadrilhas, isolará o preso.
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