|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Médicos divergem sobre o tratamento da H. pylori, que se instala no estômago e causa úlcera e câncer gástrico
Bactéria afeta 70% dos brasileiros
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ela mora no estômago de 70%
dos brasileiros. Para a maioria, é
uma hóspede silenciosa, que não
causa problemas. Para outros, pode provocar de gastrite a doenças
graves, como úlcera gástrica e
duodenal e câncer gástrico. É a
bactéria Helicobacter pylori, que
consegue driblar a acidez do estômago, órgão que normalmente
não abriga outras bactérias.
No Brasil, estima-se que haja
100 milhões de brasileiros infectados por esse microrganismo, que
afeta metade da população mundial. Pelo menos 10% deles desenvolverão úlcera no estômago e 1%
terá câncer gástrico no futuro, segundo os gastroenterologistas.
Embora seja uma bactéria facilmente identificada, não faz parte
da rotina médica pedir a pesquisa
desse microrganismo a todas as
pessoas que se queixam de gastrite, por exemplo.
Segundo Décio Shinzon, 44,
professor da disciplina de gastroenterologia da Faculdade de
Medicina da USP-SP, a pesquisa
só é feita se o médico tem a intenção de erradicar a bactéria. O tratamento -à base de uma associação de antibióticos- consegue
eliminá-la em 90% dos casos.
Porém, por ser tão frequente, e,
na maioria das vezes, assintomática, ainda há muita divergência
sobre quais casos devam ser tratados. A unanimidade só existe
quando a pessoa portadora da
bactéria já tem úlcera gástrica estabelecida, o que aumenta o risco
de câncer no estômago.
Pesquisas mostram que a H.
pylori está relacionada a 80% das
úlceras gástricas, a 49% dos cânceres de estômago e a mais de
90% dos casos de linfomas associados à mucosa gástrica.
"Nessas situações, ninguém discute. Tem que tratar", afirma Jaime Natan Eisig, 53, chefe do grupo de estômago da disciplina de
gastroenterologia clínica do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Foi o caso da advogada Tatiana
Bello, 28, que descobriu há três
meses que estava com uma úlcera
no estômago. Por meio de uma
endoscopia com biopsia, soube
que era portadora da bactéria H.
pylori. Fez o tratamento para
combatê-la durante uma semana
-oito comprimidos por dia.
"A dor que eu sentia no estômago desapareceu rapidamente",
afirma. Anteontem, Bello repetiu
a endoscopia e soube que a bactéria foi erradicada. "Estou mais
tranquila", diz.
Na opinião dos médicos Shinzon e Eisig, as pessoas com queixa
de gastrite ou outra inflamação
no estômago, com histórico familiar de câncer gástrico, também
devem ser medicadas.
"A gastrite é a base do câncer. A
infecção se instala, vai lesando, lesando o estômago até que um dia
o tumor aparece", diz a médica
Dulciene Maria de Magalhães
Queiroz, 51, professora titular da
UFMG (Universidade Federal de
Minas Gerais), uma das maiores
especialistas em H. pylori.
Mas, se a bactéria pode ser eliminada facilmente, por que não
indicar o tratamento a todos os
casos de inflamação no estômago? Para Eisig, além de ser uma terapia cara, em média R$ 120 cada
caixa de antibióticos, as drogas
podem causar efeitos colaterais
em cerca de 20% a 30% dos pacientes e deixar os agentes infecciosos resistentes aos remédios.
De acordo com Shinzon, o tratamento deve ser individualizado,
conforme as queixas e o histórico
familiar do paciente. "Só o médico pode decidir", diz.
No Brasil, segundo Eisig, as
chances de reincidência da infecção em pacientes tratados varia
de 2% a 5%. Nos países desenvolvidos, a taxa de reinfecção é 1%.
Ele afirma que ainda não se sabe
se a reincidência ocorre em razão
de um novo contato com a bactéria ou por resistência ao medicamento usado anteriormente.
Nos casos de doenças do refluxo
(conhecida popularmente por
azia) e dispepsia (má digestão,
"queimação" no estômago), a indicação do tratamento com antibióticos ainda é controversa.
Existem pesquisas mostrando
que, nesses casos, a H. pylori pode
provocar um efeito protetor.
É o que defende o médico Martin Blaser, professor da Escola de
Medicina da Universidade de Nova York. Para ele, a erradicação
indiscriminada da bactéria pode
aumentar o risco de a pessoa desenvolver a doença do refluxo e o
adenocarcinoma (um tipo de
câncer) do esôfago.
Texto Anterior: Donos declaram paixão pela floresta Próximo Texto: Grupo estuda transmissão do microrganismo Índice
|