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STF vai discutir o aborto de anencéfalos
Em sua terceira audiência pública da história, o Supremo debaterá pontos de vista religiosos e científicos acerca do tema
Com base na discussão, o STF irá julgar, entre outubro e novembro deste ano, se o aborto de bebês sem cérebro será legalizado no país
FELIPE SELIGMAN
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Tão ou mais polêmico que o
julgamento sobre pesquisas
com células-tronco embrionárias, o STF (Supremo Tribunal
Federal) começa nesta semana
um novo debate, sobre a possibilidade da interrupção da gestação em casos de anencefalia,
que novamente será definido
pela visão de cada ministro que
pertence à corte.
Na próxima terça-feira, o Supremo realiza a terceira audiência pública de sua história,
com três dias de duração, na
qual serão apresentados os
pontos de vista religiosos (dia
26), científicos (dia 28) e os da
chamada sociedade civil (dia
1º) sobre o tema.
O julgamento, por sua vez,
deverá acontecer entre outubro e novembro deste ano, segundo o relator da ação proposta pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Saúde
(CNTS), ministro Marco Aurélio Mello. De acordo com ministros ouvidos pela Folha, seu
teor será "muito parecido" com
a discussão sobre a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco.
O que está em questão, dizem os ministros, é o mesmo
princípio constitucional, o da
dignidade da pessoa humana.
Assim como naquele primeiro
julgamento, a discussão gira
em torno de um dilema central,
que se resume ao seguinte
questionamento: Existe vida
humana ou ao menos o seu potencial num feto cujo cérebro
não se desenvolveu?
O julgamento e a audiência
serão marcados pelo caso de
Marcela de Jesus Galante Ferreira, diagnosticada ainda no
útero da mãe, em 2006, como
anencéfala. A previsão médica
era a de que Marcela morreria
antes do parto ou com poucos
dias de vida. Ela, no entanto,
sobreviveu quase dois anos.
Existe no STF, segundo a Folha apurou, duas fortes tendências. De um lado, favoráveis à
possibilidade do aborto, ficariam os ministros Marco Aurélio Mello, Carlos Ayres Britto,
Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Do outro, contra a interrupção, estariam Carlos Alberto Direito, Eros Grau, Ricardo
Lewandowski e Cezar Peluso.
O julgamento, portanto, seria
decidido pelos votos de Ellen
Gracie, Gilmar Mendes e Carmen Lúcia.
Os quatro primeiros são contrários à influência religiosa no
debate jurídico e defendem os
argumentos apresentados pela
CNTS, que não considera
"aborto" a interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo, já que não existiria o potencial da vida humana. De acordo
com o advogado da confederação, Luís Roberto Barroso, a
anencefalia é "um fato atípico".
"No nosso ordenamento jurídico não há definição sobre o
início da vida, mas já sobre o
momento da morte, que é
quando o cérebro para de funcionar", disse à Folha. "Então,
se não há cérebro, não há vida.
Se não há vida, não é aborto".
Outro argumento que deverá
ser apresentado é o fato de que,
na época de elaboração do Código Penal brasileiro, não havia
tecnologia para detecção de casos de anencefalia. Esse seria o
motivo pelo qual o aborto é
permitido apenas em casos de
estupro e perigo de morte da
mãe. Por último, os ministros
também devem alegar que o
princípio da dignidade humana
deve ser aplicado só à mãe.
Quando julgavam a viabilidade legal das pesquisas com células-tronco, o relator do tema,
ministro Ayres Britto, chegou a
extrapolar o tema em debate,
abrindo caminho para a defesa
de teses sobre a legalização do
aborto. "A vida humana é revestida do atributo da personalidade civil, é um fenômeno
que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral", disse na ocasião.
Já em relação ao grupo contrário ao aborto em caso de
anencefalia, não existe um consenso de teses que o levaria para o mesmo lado. Prevalece,
por exemplo, no caso de Direito, a posição religiosa de que a
vida humana começa desde sua
concepção, tornando o aborto
contrário ao direito à vida.
No âmbito jurídico, porém,
prevaleceria a tese de que o Supremo não pode criar uma nova legislação, não prevista no
Código Penal brasileiro. A idéia
não seria entrar no mérito da
questão, mas afirmar que cabe
ao Congresso, não ao STF, estabelecer a legalidade do aborto em caso de anencefalia.
"Existem duas hipóteses de
aborto na lei. Não posso criar
uma terceira", disse Eros Grau.
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