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GILBERTO DIMENSTEIN
A primavera de São Paulo tem mais cores
Uma das informações mais
relevantes sobre o futuro da
cidade de São Paulo é quase desconhecida. Não aparece no horário eleitoral gratuito nem nos debates dos candidatos à prefeitura
-aliás, pouco aparece nos meios
de comunicação. Nessa informação reside uma vocação coletiva.
Percebe-se a vocação paulistana no veloz crescimento do número de jovens que entram na faculdade, independentemente de
qualquer esforço oficial. É um sinal de aprimoramento do capital
humano, o mais importante dos
capitais de uma comunidade.
Os números são impressionantes e estão cada vez melhores.
Em 1998, 277 mil pessoas estavam matriculadas no ensino superior da cidade de São Paulo.
Apenas quatro anos depois, em
2002 (última estatística oficial
disponível), esse número já tinha
subido para 377 mil. Ou seja,
mais 100 mil pessoas, em uma
evolução de 36%, numa cidade
em que o crescimento da população é inferior a 0,8% e que diminui ano após ano.
Apesar dessa veloz mudança, o
número ainda é baixo -cerca de
13% da população entre 20 a 24
anos-, bem inferior ao de países
como o Chile ou a Argentina. Tal
tendência, portanto, vai continuar por uma simples questão de
exigência do mercado de trabalho. Traduzindo: em menos de
uma geração, haverá mais da metade de todos os jovens fazendo
um curso superior. E a imensa
maioria deles terá, no mínimo,
ensino médio.
A vocação de São Paulo é ser
uma cidade centrada nos serviços, voltada à produção, à absorção e à disseminação de conhecimento dos mais diferentes assuntos e especialidades. Estou-me referindo não apenas às escolas mas
a qualquer núcleo gerador de
idéias e inovações, a começar das
empresas.
Por conta dessa vocação, só tende a aumentar a quantidade de
museus, centros culturais, exposições, concertos, peças de teatro,
shows, feiras comerciais, seminários e conferências, que tratam de
temas que vão de moda e gastronomia a novas descobertas da
medicina, a marketing e até ao
terceiro setor.
Por sinal, nunca se tinha feito,
no país, uma exposição sobre a
história da moda como a que teve
início neste mês, na Oca, no parque Ibirapuera.
A exposição sobre moda é um
fragmento. Nunca, em toda a sua
história, a cidade teve tantas
mostras simultâneas, mais precisamente 50, de artes plásticas, das
quais a mais importante é a Bienal, que se inicia neste fim de semana. O tema deste ano é "Território Livre", sugerindo o poder
transformador da arte e a reconquista de espaços. Toda a cidade
de São Paulo se presta, simbolicamente, a ser uma instalação, já
que vai reconquistando, pela arte,
seus espaços.
Aposta-se que, por ter entrada
franca, a Bienal vá bater todos os
recordes de público e atrair mais
de 1 milhão de pessoas. Apenas a
gratuidade não explica essa expectativa: cresce, ano a ano, o número de escolas que levam seus
alunos a esse tipo de evento e de
programas para formação de monitores e de professores capazes de
traduzir os segredos da arte para
crianças e jovens.
Todos esses brilhos e cores, que
fazem de São Paulo a cidade mais
interessante do país, ganham ainda mais destaque quando são
comparados com a opacidade,
para dizer o mínimo, do que é
oferecido pelos governantes e
mesmo prometido pelos candidatos. Nenhum dos concorrentes reflete essa vocação da cidade do
conhecimento: o fundamental é
seduzir os mais pobres. Por uma
questão mercadológica, a tônica
da campanha de José Serra é a
saúde -reflete apenas a indigência de nossos serviços públicos. Está mais para candidato a ministro da Saúde que para candidato
a prefeito. Bem distante da estética que toma conta da cidade, nesta primavera, Marta Suplicy entrega obras inacabadas, das quais
algumas colocam pedestres em
risco, mostrando o que acontece
quando se mistura calendário
eleitoral com dinheiro público.
Militantes petistas se comportaram, na semana passada, como
quadrilhas de intimidação. Nada
se compara em pobreza moral,
porém, com o fato de Paulo Maluf
ter usado um deficiente físico para fazer jogo sujo na campanha.
O Datafolha mostra hoje que esse
jogo sórdido surtiu efeito: a rejeição de Serra subiu para 15%. E a
diferença com Marta Suplicy no
segundo turno caiu para 10 pontos percentuais.
O que se faz de criativo em São
Paulo, de verdade, vem pouco do
oficial. Vem antes da efervescência de seus moradores, a ponto de,
numa cidade cinzenta, colorirem
uma primavera.
Nunca tivemos, como neste
mês, uma primavera tão colorida,
o que se dá graças às exposições.
A diferença é que as cores são produzidas não por árvores, mas por
seres humanos.
A vocação de São Paulo, em suma, é ser uma grande escola.
Quem sabe, algum dia, nossos políticos aprendam essa lição.
PS - Esta coluna começou a nascer na segunda-feira à noite,
quando senti o que é exatamente
o "Território Livre". Assisti ao
concerto de Nelson Freire com a
argentina Martha Argerich. Tão
sedutor quanto ouvir os dois pianistas é estar, ao mesmo tempo,
na Sala São Paulo. Vivenciar espaços deteriorados que se transformam em produtores de conhecimento e beleza, ainda mais naquele grau de excelência, é sentir,
quase pegar nas mãos, o que melhor podemos a partir do pior que
fomos. Construído graças à parceria de poder público com o comunitário, hoje sede de uma orquestra com renome mundial, a antiga estação de trem é o melhor
símbolo da vocação paulistana.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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