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SAÚDE
Para familiares, principal desafio é entender o mundo dos doentes; repúblicas são alternativa quando não há parentes
"É preciso saber conviver com o imprevisível"
DA REPORTAGEM LOCAL
O ex-professor de natação Geraldo Peixoto, 70, aceitou o mundo da esquizofrenia, do homem
que se diz águia, da estrela da música pop que mandará a qualquer
momento um avião para buscar o
amor brasileiro.
São fantasias de um amigo esquizofrênico, e de seu filho, André, 40, fã de Madonna, também
portador da doença. Peixoto cuida de André desde que a esquizofrenia apareceu, na virada da adolescência. Um dia, logo no início
das crises, abalado por uma das
internações do filho, Peixoto afirma que resolveu "ser esperto".
"André, você acha possível que
a Madonna venha buscar alguém
em um país de quarto mundo?",
perguntou ao filho. André respondeu de pronto: "Claro, por
que não?". "Essa foi uma grande
aprendizagem que tive com meu
filho, a do "por que não?'", diz Peixoto. O ex-professor diz que também aprendeu a aceitar os sumiços do amigo esquizofrênico, Raimundo. "Quem não entra nesse
mundo não tem jeito. Eu o respeitava como águia", diz.
Peixoto passou a aprender sobre a doença após encontrar acolhimento no pioneiro CAPs (Centro de Apoio Psicossocial) Itapeva, de São Paulo. Acabou presidindo uma associação de familiares ligada ao centro. E virou militante da reforma antimanicomial.
André tem vida própria, transita sozinho. No bairro, todos sabem que é portador da doença.
Uma vez, durante uma briga na
padaria, o dono rapidamente protegeu André, colocando-o para
trás do balcão.
"Uma crise psicótica é um saco,
a pessoa fica vociferando. É compreensível que em algumas famílias as pessoas não agüentem e
briguem. A família também precisa de ajuda", afirma Peixoto sobre sua experiência de convivência com a esquizofrenia.
"Temos uma relação boa quando ela está bem", diz Eliana Impiglia, 52, cuja filha é portadora de
transtorno bipolar, doença que
causa repentinas mudanças de
humor -o paciente transita entre a euforia e depressão.
"Ela não pode ficar sozinha. O
dia é muito complicado. E há ainda o preconceito da família,
acham que ela não quer trabalhar.
Alguns eventos eu evito", diz.
Enlouqueci, e aí?
Quando não é possível viver
com a família, ou não há mais família, as repúblicas de pacientes
são uma alternativa. Hoje são 200
financiadas no país, ainda muito
aquém da necessidade.
Severino Batista Xavier, 62, vive
em uma república com quatro
amigos. É o cozinheiro e músico
do grupo. "Quando vim para cá,
eu me conscientizei mais de mim
mesmo. Sou outro Severino."
No último 18 de maio, Dia da
Luta Antimanicomial, o fórum
que debate o tema fez um evento
batizado de "Enlouqueci, e aí?".
"O que fazer perante a "loucura",
ou melhor, às pessoas que vivem
essa experiência? Quais as respostas da sociedade em tempos de falência do modelo manicomial e
insuficiência dos atuais serviços?", explicava a chamada do
evento.
"A luta antimanicomial propõe,
além dos serviços substitutivos
dos hospitais, que a loucura seja
vista como um modo de ser diferente", afirma o psiquiatra Pedro
Carlos Carneiro, membro da executiva paulista do fórum.
(FABIANE LEITE)
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