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HABITAÇÃO
Mesmo sem apoio dos maridos, líderes ou simples participantes dos movimentos dizem buscar proteção para a família
Mulheres tomam a dianteira nas invasões
DA REPORTAGEM LOCAL
As explicações para a presença
maciça de mulheres entre os sem-teto do centro de São Paulo são diversas. Começam pelas estatísticas, que mostram um avanço do
sexo feminino comandando as
casas. O percentual de mulheres
chefes de família passou de 18,1%,
em 1991, para 24,9%, em 2000, segundo dados do IBGE. Em contrapartida, as taxas de desemprego para elas chegam a ser duas vezes maiores que a média.
Também não são raros os casos
de mulheres casadas que atuam
nas invasões dos sem-teto mesmo
sem serem apoiadas por seus maridos. "A luta começa dentro de
casa. Meu marido prefere morar
de favor do que me acompanhar",
conta Darci Salles, 59, que, desempregada e sem dinheiro para
alugar uma casa, participou da
ocupação na rua Aurora junto
com a filha de 16 anos. Ela é uma
das líderes do MSTC (Movimento
dos Sem-Teto do Centro).
"As mulheres são mais engajadas", afirma Lisete Gomes, 36,
uma das coordenadoras do
MSTC. O marido dela "não participa da luta", mas mora com ela
dentro de uma antiga ocupação
na rua Ana Cintra. "Ele tem medo
da polícia", diz ela, que não é filiada a nenhum partido.
Com ensino médio completo,
Gomes era assistente administrativa de uma loja e aderiu aos sem-teto depois de ficar mais de um
ano desempregada. "Fiquei devendo cinco meses de aluguel",
diz ela. "Tenho 14 irmãos. A
maioria me recrimina, mas também não vai querer que eu more
na casa deles", afirma.
A coordenadora do MSTC Ednalva Franco, 30, é mais radical
sobre a participação masculina.
"As mulheres são mais determinadas. Se eu dependesse do meu
marido, estaria na rua", afirma
ela, que mora com ele e os dois filhos atualmente em uma ocupação dos sem-teto da rua Brigadeiro Tobias.
Franco diz que aderiu às invasões quando "a água começou a
bater no traseiro". "A gente morava de aluguel e não tinha mais como pagar. Ficaríamos na rua",
diz. O marido dela é hoje vendedor de lanches. Ela está no primeiro ano do curso de direito. Faz estágio em uma ONG ligada ao movimento de moradia para pagar a
mensalidade de R$ 433.
Franco tem hoje dois filhos. Um
deles, de um ano e sete meses, "foi
feito e nasceu" quando ela estava
em uma ocupação. A história dela
se repete hoje nos edifícios invadidos. Somente no da avenida Ipiranga havia na semana passada
mais de dez mulheres grávidas.
Uma delas, Andreza Cristina, 21,
prestes a dar à luz. "Eu estava na
casa da minha mãe. Meu marido
ficava na do irmão dele. Morar de
favor é complicado", diz.
Moradores de rua
Ivaneti de Araújo, 30, coordenadora-geral do MSTC, morou na
rua com a família durante três
meses antes de passar a atuar em
entidades de moradia.
Com marido e três filhos, ela ficou desempregada e foi despejada
da casa onde morava de aluguel.
Era final de 1997. Acabaram debaixo do viaduto do Glicério.
Foi como moradora de rua que
ela passou a frequentar reuniões
para obter habitação. Em 1999,
participou de uma invasão a um
prédio estadual da rua Ana Cintra, onde mora até hoje, com 87
famílias. O governo quer a reforma do edifício e a venda financiada de cada unidade por R$ 42 mil.
Os sem-teto querem pagar menos. Até agora não houve acordo.
O marido de Araújo, que vendia
churrasco no parque Dom Pedro,
atualmente trabalha em uma metalúrgica, ganhando R$ 700.
"Hoje ele não atua muito. Ele é
muito nervoso, quer resolver de
outras maneiras", diz Araújo, justificando a ausência do marido na
ocupação da última semana.
A líder do MSTC nasceu em
Guariba (337 km de SP) e, como
boa parte dos coordenadores, é filiada ao PT -desde os 18 anos.
Ela é crítica, porém, dos governos
Lula e Marta Suplicy e nega interferências partidárias no grupo.
Marinei Rosa Silva, 41, que também integra a coordenação do
MSTC, também já morou 15 dias
na rua, após ser despejada da casa
onde morava de aluguel. Hoje vive na favela do Gato. "A mulher
busca mais porque quer a proteção dos filhos", diz ela, que tem
sete filhos e três netos.
(ALENCAR IZIDORO)
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