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GILBERTO DIMENSTEIN
O contribuinte está deixando de ser analfabeto
Um dos fatos mais notáveis
da gestão Lula até o momento foi, por conta da reforma
da Previdência, ter produzido um
curso intensivo de "alfabetização
do contribuinte" -um aprendizado aprofundado na semana
passada, quando os juízes e promotores anunciaram a polêmica
decisão de fazer greve.
"Analfabeto contribuinte" é
aquele que, mesmo trabalhando
quase quatro meses apenas para
pagar as contas do governo, não
conhece o abecedário dos gastos
públicos. Não sabe, por exemplo,
que, anualmente, tapa um buraco de R$ 60 bilhões das aposentadorias oficiais, o que equivale a
quase 50 vezes a verba do programa Fome Zero.
Até pouquíssimo tempo -mais
precisamente até a chegada do
PT ao Palácio do Planalto-, as
informações sobre os salários e
aposentadorias dos servidores
eram restritas a técnicos, a políticos, a empresários e a uma classe
média mais educada. O assunto
estava praticamente trancado
nos gabinetes, longe das ruas.
Até agora, a redução do "analfabetismo do contribuinte" é a
melhor notícia em torno do tema
da reforma da Previdência.
Virou conversa de botequim o
salário de um juiz, de um procurador, de um servidor do Legislativo ou do Judiciário. Comenta-se
em todos os lugares, nas mais diferentes classes sociais, a diferença entre os aposentados do INSS e
os do funcionalismo público.
Apostando no "analfabetismo
do contribuinte", alguns políticos
e sindicalistas tentam mostrar
que a reforma da Previdência é
um atentado contra os direitos do
trabalhador. A opinião pública
sente-se, certa ou erradamente,
tão solidária ao juiz que ganha
R$ 15 mil e se aposenta com salário integral quanto à socialite que
esbanja riqueza em poses para a
revista "Caras".
Por isso não foi das melhores a
reação da opinião pública à greve: seja porque não se percebe a
complexidade do cargo de um
magistrado ou de um procurador,
seja porque a imagem da Justiça é
ruim por ser lenta e supostamente
mais favorável aos ricos, seja porque a imensa maioria dos brasileiros não ganha nem 2% do salário de um juiz federal.
A novidade, na gestão Lula, foi o
desmonte da visão simplista em
que, de um lado, estão os exploradores e, de outro, os trabalhadores. O cidadão comum começou a
questionar se é justo ou não ele
patrocinar determinadas despesas, descobrindo o caminho do dinheiro que lhe é extraído do bolso
-vilão passa a ser tudo aquilo
que o deixa mais pobre.
Será completo o aprendizado
-e, embora tímido, já está em
andamento- quando se perceber como o gigantismo das máquinas governamentais afeta o
trabalhador. É uma relação complexa, mas a questão central nessa pedagogia é simples: pelo menos uma parte do desemprego se
deve à desconfiança de que, mais
cedo ou mais tarde, o governo
não vá ter como saldar suas despesas. Investimentos são contidos
ou postergados, juros demoram
mais a cair devido ao medo de
que o país quebre.
Em mais uma semana em que,
como afirma a secretária de Redação da Folha, Paula Cesarino
Costa, a realidade venceu a esperança, um levantamento mostrou
que 54% dos paulistas não pretendem fazer novas compras nos
próximos dois meses. Se alguém
não compra, alguém, obviamente, não vende -e, se alguém não
vende, alguém vai ser demitido,
possivelmente aquele que deixou
de comprar.
Divulgou-se, na quarta-feira,
que, nas seis regiões metropolitanas, se produziram mais 443 mil
desempregados durante o mandato de Lula. Desses desempregados, 270 mil possuem o diploma
do segundo grau. Em 18 anos, não
se tinha registro de tantos desempregados na região metropolitana de São Paulo.
A queda anunciada dos juros,
na quarta, ainda não assegura a
volta do crescimento. Para piorar,
a tensão social, agravada pela
ameaça de greve de juízes e pela
baderna no Congresso, fez um cadáver -um jornalista morto
num acampamento de sem-teto
em São Bernardo do Campo. No
desafio à lei, juntaram-se aos
sem-terra os sem-teto, que, na semana passada, ocuparam prédios
em São Paulo -reflexo de poucos
investimentos sociais.
A realidade está vencendo tão
impiedosamente a esperança porque o crescimento depende, entre
outras coisas, de investimento
-e investimento depende de confiança no futuro. Isso significa,
em poucas palavras, que um país
não consegue crescer, de fato,
quando paira o risco de colapso
de suas contas devido à perspectiva de escassez para seguir bancando desperdícios dos governos.
A diminuição do "analfabetismo do contribuinte" talvez não
impeça, mas, no mínimo, dificulta eventuais tentativas de tapar
os buracos com mais impostos.
PS - Importantes assessores do
presidente disseram que houve
um exagero na crítica ao fato de
Lula colocar o boné do MST.
Quando a maior autoridade do
país veste o boné de um movimento que promove invasões,
acabam-se, involuntariamente,
estimulando transgressões como
as dos sem-teto.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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