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SEGURANÇA
Retirados por policiais do Centro de Observação Criminológica, dois detentos são devolvidos machucados dias depois
Presos fogem em carro "camuflado" da PM
DA REPORTAGEM LOCAL
Pelo telefone, o tenente H., do
Gradi, avisa a direção do Centro
de Observação Criminológica que
dois presos, levados do local pela
própria polícia dias antes, iriam
ser devolvidos. Uma hora depois,
o primeiro chega de ambulância,
com o fêmur quebrado. Mais dez
minutos e o segundo chega no
carro da PM, com suspeita de fratura na costela. Os dois apresentam hematomas por todo o corpo. Teriam sofrido um acidente
durante a fuga, segundo a PM.
Um deles, porém, revelou não
se tratar de uma ocorrência comum de fuga e recaptura de preso. No dia seguinte, em depoimento no COC, ele colocou no
papel uma história de recrutamento malsucedido de presos pela PM que envolveu promessa de
vantagens, traição, fuga de detentos em um carro descaracterizado
da PM, cerco policial e suposta
prática de tortura.
Parte da história é confirmada
pelo próprio Gradi, em documento reservado da PM encaminhado
ao juiz-corregedor dos presídios,
Octávio Augusto Machado de
Barros Filho, ao qual a Folha teve
acesso. Só que na versão da PM
não existem promessa de vantagem e tortura de presos.
Os relatos do preso e da polícia
coincidem em apontar que o alvo
da "parceria" era uma quadrilha
composta por membros do PCC
(Primeiro Comando da Capital),
que pretendia assaltar um hotel
no Guarujá (litoral paulista).
Na teoria, os presos iriam se infiltrar no grupo e descobrir detalhes da ação para que a PM pudesse atuar. Na prática, eles receberam telefones celulares, um carro,
dormiram no quartel da PM e puderam participar de festas. Um
dos presos até visitou a família.
Foram seis pedidos de saída dos
presos do COC -com duração
de um dia cada-, em março, assinados pelo juiz-corregedor. Na
justificativa dos pedidos, os presos são retirados da cadeia para
"efetuar oitivas" -depoimento,
reconhecimento de pessoas ou
coisas mais simples. Não é mencionada a participação de presos
em operações policiais ou possível infiltração em quadrilhas.
Em um sétimo pedido, datado
de 27 de março, a dupla é "cedida"
para o Gradi por 30 dias. Quatro
dias depois, porém, os dois condenados -o primeiro a 40 anos
por roubo e receptação e o segundo a 22 anos por roubo e homicídio- são devolvidos ao COC
com várias lesões pelo corpo.
No meio da operação de infiltração, algo deu errado. Sozinhos
em um Celta descaracterizado da
PM, os dois presos foram para o
suposto encontro com a quadrilha, na zona sul, na tarde de 30 de
março. Eles receberam as chaves
do carro porque a PM temia que
os policiais fossem reconhecidos.
Em depoimento, um dos presos
disse que ele e o colega fugiram ao
saber que o grupo tinha descoberto que trabalhavam para a polícia.
Segundo ele, ficaram com medo
da reação dos PMs e resolveram
pedir ajuda a uma ONG de direitos humanos localizada no Brooklin. Para a PM, a dupla aproveitou a oportunidade para escapar.
Às 7h30 do dia 31 de março, a
casa foi cercada por cerca de 30
homens da PM -oito deles à paisana. Outros dois presos que também colaboraram com a polícia
foram convocados para a ação.
A polícia afirma que um preso
se feriu ao tentar pular a janela, localizada no segundo andar da casa. O outro teria caído da escada.
No depoimento, o preso disse que
levou socos, chutes e coronhadas.
Moradores viram quando os
dois presos foram colocados, agora algemados, em um automóvel
descaracterizado. A PM diz que
encontrou na casa carteiras de
identidade e carteiras de habilitação em branco e maconha.
A partir daí, a operação policial
virou um mistério na vizinhança.
Ninguém foi chamado para depor. Moradores estranharam que
nem a perícia apareceu. Um vizinho procurou explicação em noticiários e até no site da PM, mas
não teve resposta.
Nem o proprietário da casa, que
a mantinha alugada, soube o que
causou o prejuízo do telhado quebrado da garagem e tiros na parede. Ele reclama que nunca foi procurado pela polícia.
Os dois presos continuam no
sistema prisional, sem nenhum
esquema de proteção. Segundo
familiares que os visitaram, eles
convivem com outros detentos e
não estão no "seguro" -onde ficam os presos com risco de ser
atacados por colegas.
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