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SAÚDE MENTAL
A., 21, foi levado à cirurgia pela família, moradora da periferia de Goiânia, por apresentar momentos de fúria
Jovem volta a ficar agressivo após operação
DO ENVIADO ESPECIAL A GOIÂNIA
A família de A., 21, lembra o dia
em que ele foi submetido a uma
cirurgia psiquiátrica numa clínica
de Goiânia, no ano 2000, como
um momento de grande expectativa e esperança de melhora. Mas
o sonho terminou muito rapidamente. "Ele só ficou 24 horas no
hospital. Quando voltou, ficou
uns dez dias com a cabeça inchada, quase sem comer, só bebia
água, sem tirar os pontos", conta
a mãe, C., 48, uma pequena comerciante da Vila Concórdia, na
periferia da capital de Goiás.
Depois do período de recuperação, enfrentado pela mãe com remédios caseiros, A. começou a
apresentar os mesmos sintomas
usados para justificar a cirurgia:
muita agitação e lances esparsos
de fúria, quando chegou a quebrar portas e o vaso sanitário.
A mãe disse que ele "voltou a ser
como era antes" da operação. O
pai, A., 50, discorda, acha que o filho "piorou". O casal não sabe ao
certo do que o filho sofre, porque
não tem nenhum exame em casa.
Desde muito pequeno ele é assim
-por não pronunciar frases inteligíveis, jamais estudou.
A mãe disse que ouviu um psiquiatra de um posto de saúde chamá-lo de "autista". O autismo é
um fenômeno patológico que
"desliga" a pessoa da realidade
exterior e fabrica mentalmente
um mundo à parte.
Pessoas ligadas ao médico que
fez a cirurgia procuraram depois
a família para propor uma cirurgia "de reparação" -na verdade,
os médicos costumam tentar uma
nova psicocirurgia em outra parte
do cérebro, para ver se surte efeitos positivos.
A família não quis tentar mais
nada, descrente dos resultados da
primeira cirurgia e "com medo de
operar de novo". Ficou tão desapontada com a tentativa que nem
sequer guardou o nome do cirurgião. Uma psicóloga que atendeu
A. meses após a operação, ouvida
pela Folha, disse que a cirurgia foi
feita depois que uma vizinha recomendou e uma funcionária da
clínica asseverou que as chances
de sucesso eram grandes.
A família confirma. "Falaram
que ia dar certo", conta a mãe. Como era tudo pago pelo SUS, não
custava nada tentar.
Hoje A. é mantido pela família
amarrado pela perna por uma
corda atada a um gancho preso à
parede. A mãe se martiriza com a
cena, mas não vê outra saída. Um
dia A., que é forte, escapou da sala, ganhou a rua e quase foi atropelado por um ônibus. Em casa,
os pais dizem lhe dar amor e atenção. "Muitas famílias abandonam
seus filhos, nós não, nós o queremos", conta C.
Nu, deitado num colchão fino
estendido no chão da sala, A. esconde a cabeça numa lona verde
quando estranhos se aproximam
(ele não pode usar roupas porque
as rasga e pode até engolir as tiras). A salvo dos olhos curiosos,
entoa, com a voz fina, uma canção
sem letra e ritmo, mas que parece
alegre. O som invade a casa e anima a mãe. "Ele está feliz."
"Cortar" a agressividade
Do outro lado de Goiânia, a família de W., 20, ainda está no
meio do sonho. Operado pelo
neurocirurgião Luiz Fernando
Martins, no Instituto Neurológico, W. completou na semana retrasada o primeiro mês de pós-operatório. Ele sofreu uma paralisia cerebral quando criança, mas,
nos últimos anos, passou a ficar
inquieto, algumas vezes batendo a
cabeça contra a parede e gritando.
Por 20 dias depois da cirurgia,
que custou R$ 5.500, a mãe e o pai,
M. e I., que vivem do aluguel de
quartos, ficaram surpresos com o
silêncio do filho. "O médico disse
que iria cortar as linhas da agressividade", contou o pai. W. passou a ter dificuldade de movimentar as mãos. Mas, na semana passada, ele voltou a ficar inquieto e a
emitir sons. O médico disse que
os problemas motores são esperados e que logo o paciente estará
bem. (RUBENS VALENTE)
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