UOL


São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE MENTAL

A., 21, foi levado à cirurgia pela família, moradora da periferia de Goiânia, por apresentar momentos de fúria

Jovem volta a ficar agressivo após operação

DO ENVIADO ESPECIAL A GOIÂNIA

A família de A., 21, lembra o dia em que ele foi submetido a uma cirurgia psiquiátrica numa clínica de Goiânia, no ano 2000, como um momento de grande expectativa e esperança de melhora. Mas o sonho terminou muito rapidamente. "Ele só ficou 24 horas no hospital. Quando voltou, ficou uns dez dias com a cabeça inchada, quase sem comer, só bebia água, sem tirar os pontos", conta a mãe, C., 48, uma pequena comerciante da Vila Concórdia, na periferia da capital de Goiás.
Depois do período de recuperação, enfrentado pela mãe com remédios caseiros, A. começou a apresentar os mesmos sintomas usados para justificar a cirurgia: muita agitação e lances esparsos de fúria, quando chegou a quebrar portas e o vaso sanitário.
A mãe disse que ele "voltou a ser como era antes" da operação. O pai, A., 50, discorda, acha que o filho "piorou". O casal não sabe ao certo do que o filho sofre, porque não tem nenhum exame em casa. Desde muito pequeno ele é assim -por não pronunciar frases inteligíveis, jamais estudou.
A mãe disse que ouviu um psiquiatra de um posto de saúde chamá-lo de "autista". O autismo é um fenômeno patológico que "desliga" a pessoa da realidade exterior e fabrica mentalmente um mundo à parte.
Pessoas ligadas ao médico que fez a cirurgia procuraram depois a família para propor uma cirurgia "de reparação" -na verdade, os médicos costumam tentar uma nova psicocirurgia em outra parte do cérebro, para ver se surte efeitos positivos.
A família não quis tentar mais nada, descrente dos resultados da primeira cirurgia e "com medo de operar de novo". Ficou tão desapontada com a tentativa que nem sequer guardou o nome do cirurgião. Uma psicóloga que atendeu A. meses após a operação, ouvida pela Folha, disse que a cirurgia foi feita depois que uma vizinha recomendou e uma funcionária da clínica asseverou que as chances de sucesso eram grandes.
A família confirma. "Falaram que ia dar certo", conta a mãe. Como era tudo pago pelo SUS, não custava nada tentar.
Hoje A. é mantido pela família amarrado pela perna por uma corda atada a um gancho preso à parede. A mãe se martiriza com a cena, mas não vê outra saída. Um dia A., que é forte, escapou da sala, ganhou a rua e quase foi atropelado por um ônibus. Em casa, os pais dizem lhe dar amor e atenção. "Muitas famílias abandonam seus filhos, nós não, nós o queremos", conta C.
Nu, deitado num colchão fino estendido no chão da sala, A. esconde a cabeça numa lona verde quando estranhos se aproximam (ele não pode usar roupas porque as rasga e pode até engolir as tiras). A salvo dos olhos curiosos, entoa, com a voz fina, uma canção sem letra e ritmo, mas que parece alegre. O som invade a casa e anima a mãe. "Ele está feliz."

"Cortar" a agressividade
Do outro lado de Goiânia, a família de W., 20, ainda está no meio do sonho. Operado pelo neurocirurgião Luiz Fernando Martins, no Instituto Neurológico, W. completou na semana retrasada o primeiro mês de pós-operatório. Ele sofreu uma paralisia cerebral quando criança, mas, nos últimos anos, passou a ficar inquieto, algumas vezes batendo a cabeça contra a parede e gritando.
Por 20 dias depois da cirurgia, que custou R$ 5.500, a mãe e o pai, M. e I., que vivem do aluguel de quartos, ficaram surpresos com o silêncio do filho. "O médico disse que iria cortar as linhas da agressividade", contou o pai. W. passou a ter dificuldade de movimentar as mãos. Mas, na semana passada, ele voltou a ficar inquieto e a emitir sons. O médico disse que os problemas motores são esperados e que logo o paciente estará bem. (RUBENS VALENTE)

Texto Anterior: Saúde mental: Médicos defendem técnica psicocirúrgica
Próximo Texto: No PR, polêmica chegou a promotor
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.