|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RIO
Recolhidos pela prefeitura, mas sem garantias de reinserção social, moradores de rua preferem voltar a pedir esmolas
Vida em abrigos não convence mendigos a deixar a rua
MAURÍCIO THUSWOHL
DA SUCURSAL DO RIO
"Não troco Copacabana por lugar nenhum no mundo." A declaração não é do escritor Paulo Coelho ou do arquiteto Oscar Niemeyer, moradores ilustres de um dos
bairros mais famosos do Rio de
Janeiro, mas de Aline da Conceição, 28, que não tem casa no bairro e mora há dez anos na areia.
Sem profissão, ela vive de pedir
esmolas e prefere essa situação do
que ficar sob os cuidados da assistência social. "Na rua, a gente batalha uma graninha e pode tentar
uma sorte melhor."
Aline foi um dos 98 adultos recolhidos das ruas de Copacabana
pela operação Zona Sul Legal, na
última semana. Chegou no centro
de triagem da Fundação Leão 13
por volta das 8h de quinta-feira e,
às 14h, já arrumava suas coisas
para voltar para a rua. Dos 98 recolhidos desde segunda-feira, 35
haviam voltado às calçadas de Copacabana na sexta.
Apesar de ter família no município de Mesquita (Baixada Fluminense), Aline não cogita morar lá.
Ela tem uma filha, Claudiane, de
14 anos, e esperava que a menina
não visse seu nome no jornal:
"Nós não nos vemos e ela não sabe o que faço. Talvez fique sabendo que moro na rua".
A opção demonstra que, além
da dificuldade de se adaptar às regras e rotinas dos abrigos, os
mendigos não ficam sob os cuidados da assistência social por uma
razão simples: nas ruas, eles ganham dinheiro. Nos abrigos, não.
Apesar de terem lançado em
conjunto a operação Zona Sul Legal, com o objetivo de aumentar a
"sensação de segurança" dos moradores de uma das áreas nobres
da cidade, a Prefeitura do Rio e o
governo do Estado não têm programas capazes de garantir à população de rua a reinserção no mercado de trabalho.
"Me trouxeram para cá, mas
não sou mendiga. Sou trabalhadora, fui roubada e ainda me tratam assim", reclamou a ambulante Janaína da Silva, 28. Ela disse
que a mercadoria que havia comprado para vender foi tomada por
soldados da Guarda Municipal.
Ao lado do marido e também
camelô Sebastião Pereira, 45, Janaína disse que vende balas e doces nos semáforos de Copacabana
e que dorme há um ano nas ruas
do bairro: "Se roubam nossas coisas, não posso vender e ganhar dinheiro. Sem dinheiro, não podemos pagar aluguel e temos que
dormir na rua. Está tudo errado".
Nas instalações da Fundação
Leão 13, os assistentes sociais fazem o que podem para atender as
pessoas recolhidas na operação.
Cada pessoa que chegou recebeu
alimentação (café da manhã e almoço), tomou banho e ganhou
roupas limpas, além de consultas
médica e odontológica.
Quando percebem um caso de
doença mais grave, as assistentes
sociais tentam convencer a pessoa
a permanecer no abrigo e a aceitar
tratamento médico.
Wagner Santana, 18, descobriu
que está com tuberculose dias antes de ser recolhido em Copacabana. Ex-usuário de drogas, ele ainda assim preferia voltar a pedir esmolas do que ser encaminhado a um hospital público. Só se convenceu a se tratar quando sua namorada, Ana Paula de Oliveira, 26, decidiu ficar e acompanhá-lo.
"Foi a salvação"
Muitos dos que vivem nas ruas
da zona sul do Rio vêm de outros
Estados. Alguns receberam bem a
proposta do governo estadual de
pagar passagem para quem quiser voltar à cidade de origem.
O artesão Davi Gomes dos Santos, 30, veio de Salvador (BA) e estava há dez dias no Rio em busca
de emprego: "Não consegui nada.
Fiquei os primeiros dias numa
pensão, depois acabou o dinheiro
e tive que dormir na praia".
Santos ganhará uma passagem
para voltar à Bahia. "Terem me
recolhido foi a salvação. Estava
sem dinheiro, com medo dos
bandidos da rua e não tinha como
ir embora."
Texto Anterior: Patrimônio: Longe do público, prédio art déco é tombado Próximo Texto: Falta de emprego atrapalha plano de reinserção Índice
|