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Para professor, mudança depende de consenso político
DA REPORTAGEM LOCAL
O pesquisador e professor da
Unicamp Marco Antonio Oliveira, 44, acredita que os sindicatos
vão condicionar as mudanças na
estrutura sindical à adoção do
contrato coletivo nacional. A seguir, os principais trechos da entrevista. (CR)
Folha - É preciso mudar a estrutura sindical brasileira?
Marco Antonio de Oliveira - Quando se fala em mudar essa estrutura, é preciso considerar que
há diferentes visões. Há aqueles
que defendem reforma ampla,
com o fim do imposto sindical e
do monopólio para fortalecer os
sindicatos. Essa visão é a da CUT.
A segunda é aquela dos que querem preservar essa estrutura, como condição de sua própria sobrevivência. Essa é a opinião das
velhas confederações e federações, que defendem reformas
pontuais. Há ainda a visão empresarial, de defesa da liberdade sindical, que difere da visão da CUT.
Folha - Em que diferem?
Oliveira - Na CUT, fala-se em liberdade com autonomia sindical.
Defende-se não só o fim da unicidade e do imposto mas também a
revisão do poder normativo da
Justiça do Trabalho. A idéia é
substituir a tutela de inspiração
autoritária e corporativa por uma
tutela democrática. Do lado patronal, a liberdade significa supressão de toda e qualquer regra
de proteção à atividade sindical. É
a livre negociação. Quem puder
mais vai chorar menos.
Folha - Como seria a atuação dos
sindicatos em um regime de liberdade plena?
Oliveira - Essa liberdade seria
sustentada com a ratificação da
legislação brasileira às convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho.
Folha - De que tratam essas convenções?
Oliveira - Não só da liberdade
mas também do direito de organização no local de trabalho, das
garantias de exercício de atividade sindical na empresa, de proteção contra a dispensa imotivada,
de acesso à informação, de garantia de representação e da contratação coletiva. A liberdade, na
prática, não significa a ausência
de regras, mas, sim, um conjunto
de normas capazes de dirimir os
conflitos do trabalho.
Folha - E como seria a reforma
pontual?
Oliveira - Nesse caso, a posição é
manter a unicidade, o imposto, o
sistema confederativo e a Justiça
do Trabalho tal como está. Ao
mesmo tempo, inclui-se o regime
de contratação coletiva nacional.
Folha - Como funciona esse regime de contratação?
Oliveira - A negociação pode
ocorrer por ramos ou por setores
econômicos. A abrangência é nacional, com patamar mínimo de
garantias para todos os trabalhadores daquela categoria ou ramo
até chegar à negociação por empresa. Mas a negociação no nível
inferior não pode rebaixar aquilo
que foi estabelecido no nível imediatamente superior.
Folha - O trabalhador teria garantias mínimas, e as centrais, controle do mercado de trabalho?
Oliveira - As entidades sindicais
ampliam seu poder de regulação
sobre o mercado de trabalho no
que diz respeito às condições de
contratação, uso e remuneração
da força de trabalho. Itália, Alemanha, Inglaterra adotam regimes de contratação coletiva. Esse
sistema também implica rever toda a estrutura sindical.
Folha - O que precisaria mudar?
Oliveira - O sistema de relações
do trabalho coíbe o espaço da negociação coletiva. As negociações
estão limitadas ao âmbito das categorias profissionais e presas ao
momento da data-base.
Folha - O governo Lula já manifestou sua vontade de mudar as
fontes de custeio dos sindicatos.
Oliveira - Essa mudança depende de consenso político tanto do
lado patronal como do lado dos
trabalhadores. É preciso discutir
uma legislação de sustento tanto
na questão da discussão da liberdade como na do imposto. Caso
contrário, o risco de desorganização é enorme.
Folha - Os sindicatos quebrariam?
Oliveira - O grau de desorganização depende muito da regra de
transição adotada. Os mais fortes
e organizados sobrevivem, porque muitos se sustentam de suas
mensalidades. Pode ocorrer um
processo de fusão. Os mais atingidos serão os pequenos, que dependem do imposto. Essa dependência era menor ao longo dos
anos 80, mas se acentuou com o
aumento de desemprego, que levou ao encolhimento da base de
sócios. Entre os de médio porte,
há muitas entidades representativas, que podem sofrer com esse
impacto. É preciso negociar regras dessa mudança.
Folha - Na sua opinião, como os
sindicatos deveriam manter-se?
Oliveira - Poderia haver, além da
mensalidade, uma taxa que incidisse sobre a negociação coletiva,
independentemente da filiação.
Quem se beneficia do acordo coletivo poderia contribuir.
Folha - As centrais mostraram
que estão desunidas. O governo
Lula conseguirá fazer reformas?
Oliveira - Se o governo Lula não
fizer, nenhum outro governo fará,
porque ele tem origem no movimento sindical e naquele sindicalismo que sempre defendeu a
idéia de uma ampla reforma trabalhista. Ou essa reforma é negociada amplamente, com forte poder de arbitragem do Estado, ou
não ocorrerá.
Folha - Por que os trabalhadores
estão distantes de seus sindicatos?
Oliveira - Em uma economia em
que há aumento brutal do desemprego, como houve no Brasil, a
tendência geral é que os sindicatos se enfraqueçam, principalmente no setor industrial. A onda
neoliberal, na década 90, disseminou também a mudança de valores. O indivíduo se sobrepôs às
ações de natureza coletiva. Outro
fator foi a mudança de perfil da
classe trabalhadora.
Folha - O que mudou nesse perfil?
Oliveira - Os trabalhadores mais
próximos das práticas sindicais
são aqueles que estão na faixa dos
40 anos, que viveram a trajetória
de ascensão dos anos 70 e 80. Os
mais jovens estão mais preocupados com sua carreira, sua colocação no mercado, seu poder aquisitivo e sua formação profissional.
Isso dificulta a ação sindical.
Folha - Os sindicatos vão recuperar o espaço perdido?
Oliveira - Os sindicatos voltam à
cena, agora, pela importância e
simbolismo da vitória de Lula.
Mas também com o peso e o desgaste de uma década.
Folha - O que pode definir a recuperação do dinamismo dos sindicatos no país?
Oliveira - Se o país voltar a crescer, recuperar o nível de emprego,
os sindicatos tendem a aumentar
sua base. O próprio Lula disse que
vai chamar os sindicatos à responsabilidade. Quer formar fóruns de trabalho e de desenvolvimento, além de retomar as câmaras setoriais. São medidas que,
adotadas, criam mais espaço para
a atuação sindical. Isso fortalece a
presença dos sindicatos.
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