São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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Para professor, mudança depende de consenso político

DA REPORTAGEM LOCAL

O pesquisador e professor da Unicamp Marco Antonio Oliveira, 44, acredita que os sindicatos vão condicionar as mudanças na estrutura sindical à adoção do contrato coletivo nacional. A seguir, os principais trechos da entrevista. (CR)

Folha - É preciso mudar a estrutura sindical brasileira?
Marco Antonio de Oliveira -
Quando se fala em mudar essa estrutura, é preciso considerar que há diferentes visões. Há aqueles que defendem reforma ampla, com o fim do imposto sindical e do monopólio para fortalecer os sindicatos. Essa visão é a da CUT. A segunda é aquela dos que querem preservar essa estrutura, como condição de sua própria sobrevivência. Essa é a opinião das velhas confederações e federações, que defendem reformas pontuais. Há ainda a visão empresarial, de defesa da liberdade sindical, que difere da visão da CUT.

Folha - Em que diferem?
Oliveira -
Na CUT, fala-se em liberdade com autonomia sindical. Defende-se não só o fim da unicidade e do imposto mas também a revisão do poder normativo da Justiça do Trabalho. A idéia é substituir a tutela de inspiração autoritária e corporativa por uma tutela democrática. Do lado patronal, a liberdade significa supressão de toda e qualquer regra de proteção à atividade sindical. É a livre negociação. Quem puder mais vai chorar menos.

Folha - Como seria a atuação dos sindicatos em um regime de liberdade plena?
Oliveira -
Essa liberdade seria sustentada com a ratificação da legislação brasileira às convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho.

Folha - De que tratam essas convenções?
Oliveira -
Não só da liberdade mas também do direito de organização no local de trabalho, das garantias de exercício de atividade sindical na empresa, de proteção contra a dispensa imotivada, de acesso à informação, de garantia de representação e da contratação coletiva. A liberdade, na prática, não significa a ausência de regras, mas, sim, um conjunto de normas capazes de dirimir os conflitos do trabalho.

Folha - E como seria a reforma pontual?
Oliveira -
Nesse caso, a posição é manter a unicidade, o imposto, o sistema confederativo e a Justiça do Trabalho tal como está. Ao mesmo tempo, inclui-se o regime de contratação coletiva nacional.

Folha - Como funciona esse regime de contratação?
Oliveira -
A negociação pode ocorrer por ramos ou por setores econômicos. A abrangência é nacional, com patamar mínimo de garantias para todos os trabalhadores daquela categoria ou ramo até chegar à negociação por empresa. Mas a negociação no nível inferior não pode rebaixar aquilo que foi estabelecido no nível imediatamente superior.

Folha - O trabalhador teria garantias mínimas, e as centrais, controle do mercado de trabalho?
Oliveira -
As entidades sindicais ampliam seu poder de regulação sobre o mercado de trabalho no que diz respeito às condições de contratação, uso e remuneração da força de trabalho. Itália, Alemanha, Inglaterra adotam regimes de contratação coletiva. Esse sistema também implica rever toda a estrutura sindical.

Folha - O que precisaria mudar?
Oliveira -
O sistema de relações do trabalho coíbe o espaço da negociação coletiva. As negociações estão limitadas ao âmbito das categorias profissionais e presas ao momento da data-base.

Folha - O governo Lula já manifestou sua vontade de mudar as fontes de custeio dos sindicatos.
Oliveira -
Essa mudança depende de consenso político tanto do lado patronal como do lado dos trabalhadores. É preciso discutir uma legislação de sustento tanto na questão da discussão da liberdade como na do imposto. Caso contrário, o risco de desorganização é enorme.

Folha - Os sindicatos quebrariam?
Oliveira -
O grau de desorganização depende muito da regra de transição adotada. Os mais fortes e organizados sobrevivem, porque muitos se sustentam de suas mensalidades. Pode ocorrer um processo de fusão. Os mais atingidos serão os pequenos, que dependem do imposto. Essa dependência era menor ao longo dos anos 80, mas se acentuou com o aumento de desemprego, que levou ao encolhimento da base de sócios. Entre os de médio porte, há muitas entidades representativas, que podem sofrer com esse impacto. É preciso negociar regras dessa mudança.

Folha - Na sua opinião, como os sindicatos deveriam manter-se?
Oliveira -
Poderia haver, além da mensalidade, uma taxa que incidisse sobre a negociação coletiva, independentemente da filiação. Quem se beneficia do acordo coletivo poderia contribuir.

Folha - As centrais mostraram que estão desunidas. O governo Lula conseguirá fazer reformas?
Oliveira -
Se o governo Lula não fizer, nenhum outro governo fará, porque ele tem origem no movimento sindical e naquele sindicalismo que sempre defendeu a idéia de uma ampla reforma trabalhista. Ou essa reforma é negociada amplamente, com forte poder de arbitragem do Estado, ou não ocorrerá.

Folha - Por que os trabalhadores estão distantes de seus sindicatos?
Oliveira -
Em uma economia em que há aumento brutal do desemprego, como houve no Brasil, a tendência geral é que os sindicatos se enfraqueçam, principalmente no setor industrial. A onda neoliberal, na década 90, disseminou também a mudança de valores. O indivíduo se sobrepôs às ações de natureza coletiva. Outro fator foi a mudança de perfil da classe trabalhadora.

Folha - O que mudou nesse perfil?
Oliveira -
Os trabalhadores mais próximos das práticas sindicais são aqueles que estão na faixa dos 40 anos, que viveram a trajetória de ascensão dos anos 70 e 80. Os mais jovens estão mais preocupados com sua carreira, sua colocação no mercado, seu poder aquisitivo e sua formação profissional. Isso dificulta a ação sindical.

Folha - Os sindicatos vão recuperar o espaço perdido?
Oliveira -
Os sindicatos voltam à cena, agora, pela importância e simbolismo da vitória de Lula. Mas também com o peso e o desgaste de uma década.

Folha - O que pode definir a recuperação do dinamismo dos sindicatos no país?
Oliveira -
Se o país voltar a crescer, recuperar o nível de emprego, os sindicatos tendem a aumentar sua base. O próprio Lula disse que vai chamar os sindicatos à responsabilidade. Quer formar fóruns de trabalho e de desenvolvimento, além de retomar as câmaras setoriais. São medidas que, adotadas, criam mais espaço para a atuação sindical. Isso fortalece a presença dos sindicatos.


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