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SANGRIA DAS MÚLTIS
Matrizes não aplicaram em exportadoras, e suas dívidas, remessas e royalties desequilibraram contas
Investimento de fora vira déficit externo
JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
O monstruoso volume de investimento direto estrangeiro que ingressou no Brasil a partir de meados dos anos 90 teve como maior
legado o agravamento do desequilíbrio externo do país.
Essa foi uma das conclusões do
Iedi (Instituto de Estudos para
Desenvolvimento Industrial) em
estudo sobre o investimento estrangeiro no Brasil e o de companhias brasileiras no exterior. Entre 1996 e 2001, o total de recursos
que entraram no Brasil chegou a
US$ 125 bilhões. Apenas em 2000,
ingressaram US$ 32,779 bilhões.
Em sua maioria, aponta o estudo, o investimento estrangeiro
que aportou no país se dirigiu a
setores industriais tradicionalmente deficitários em sua balança
comercial ou com baixo volume
de comércio exterior. No lugar de
impulsionar o saldo e o volume de
transações comerciais, provocou
o contrário: as empresas com capital estrangeiro geraram considerável déficit comercial.
Houve outros dois efeitos perversos: o aumento nos gastos com
juros, remessas de lucros e pagamentos de royalties às matrizes fizeram com que a empresa com
participação majoritária de capital estrangeiro se convertesse na
grande responsável pelo déficit
em transações correntes.
A conta de transações correntes
considera todas as transações do
país com o exterior. Nela, além da
balança comercial e da balança de
serviços (gastos com juros, remessas de lucros etc.), entram
ainda as transferências unilaterais
(somas enviadas ao país por residentes no exterior e vice-versa).
Se em 1995 as empresas estrangeiras respondiam por 31,8% desse déficit, em 2000 a participação
passou a 61% -num déficit total
de US$ 24,3 bilhões, US$ 14,9 bilhões eram das empresas sob controle estrangeiro. Também no
mesmo período, as estrangeiras
responderiam por 66,9% -dois
terços- do aumento de US$ 76,9
bilhões da dívida externa brasileira. De US$ 159,3 bilhões em 1995,
a dívida passou a US$ 236,2 bilhões ao final de 2000.
"Os investidores estrangeiros,
em sua maioria, vieram para setores não-exportadores. E com um
modelo de financiamento que se
baseia em contrair dívida alta",
diz Júlio Sérgio de Almeida, diretor-executivo do Iedi.
Tome-se a seguinte hipótese,
usada por Almeida para explicar
esse movimento: ""Uma empresa
(estrangeira) que compra uma
concessionária de serviço público
(eletricidade, telecomunicações)
a arremata por US$ 1 bilhão. Ela
entra com US$ 500 milhões de investimento, que eram de seu capital, mas contrai US$ 500 milhões
em dívida. Simultaneamente, ela
aumenta o IDE (ou seja US$ 500
milhões foram para a pilha de
US$ 125 bilhões de investimentos), mas também aumenta a dívida externa ou interna", completa.
Na prática, o endividamento foi
ainda maior. Pelas contas do Iedi,
em 2000 para cada US$ 1 de investimento estrangeiro direto, as empresas com participação estrangeira instaladas no Brasil carregavam US$ 2,49 em dívidas -sendo
US$ 1,03 de dívida externa e US$
1,46 de dívida interna.
O problema é que, além do óbvio aumento da dívida externa,
essa situação pressiona o mercado interno de crédito. ""Nosso
mercado interno de crédito é restrito. Temos apenas o BNDES e
poucas linhas de bancos para financiamento de longo prazo.
Com isso, sobra menos para o resto das empresas", diz Almeida.
O próprio Iedi se apressa em
afirmar que esse recente ciclo de
investimento estrangeiro contribuiu para ampliar as exportações
brasileiras e adicionar valor agregado. Mas argumenta que o erro
cometido pelo governo foi não
implantar uma política que favorecesse investimentos voltados à
exportação e desenvolvimento de
setores estratégicos.
Em seu estudo, o Iedi classificou
as empresas estrangeiras em quatro grupos, usando como critério
a importância das importações e
exportações em suas atividades.
No primeiro grupo ficaram os
setores com propensão a exportar
acima da média e a importar abaixo da média. São os chamados
produtores de superávit, como
exportadores agrícolas e setores
industriais como a siderurgia. Fecharam 2000 com um superávit
comercial de US$ 10 bilhões.
Depois, figuram os setores deficitários -aqueles que exportam
pouco, mas que, por outro lado,
fazem muitas importações. Em
geral, dependem de insumos importados, como a indústria química, de material eletrônico. O
déficit comercial dessas empresas
em 2000 atingiu US$ 8,1 bilhões.
O terceiro grupo é formado pelos setores com baixos volumes
tanto de exportações quanto de
importações. Nesse grupo estão
alocados os bancos e também
concessionárias de serviços públicos, como as telefônicas. Apresentaria um déficit de US$ 1,6 bilhão
em sua balança de comércio.
No quarto estão os setores com
grande integração comercial (exportam e importam muito). Nesse grupo, a despeito do volume de
comércio alto, os saldos comerciais -positivos ou negativos
tendem a ser reduzidos.
De todo o investimento direto
estrangeiro entre 1996 e 2001,
60,2% se dirigiu para o grupo 3, os
setores de baixo comércio.
"Houve uma mudança substancial no foco do IDE no Brasil nos
últimos anos", diz Antônio Corrêa de Lacerda, presidente da Sobeet. Em 2002, dos US$ 18,7 bilhões classificados como IDE pela
Sobeet, US$ 10,5 bilhões foram
para os serviços e US$ 7,6 bilhões
para a indústria.
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