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NA AVENIDA
Notas para o movimento operário
FERNANDO BONASSI
COLUNISTA DA FOLHA
Ontem, a avenida que nasceu
para as mansões dos fazendeiros e
dos capitães de indústria de São
Paulo, que foi comprada pelo sistema financeiro nestes milagres
econômicos insuspeitos, pelas redes de lanchonetes multinacionais e pelos sindicatos patronais,
acabou tomada por cidadãos vermelhos.
Não se tratava de algo perigoso
às instituições seculares, pois esses tempos combativos parecem
ultrapassados, quando, no reino,
é rei um operário. As cores que
usavam era mais um presente carinhoso do que um uniforme escandaloso, visto que a central sindical responsável pelo ato cuidou
muito bem dos seus descamisados, dando-lhes camisetas estampadas.
Não era um levante, bem entendido, mas uma data solene e importante, que merecia comemoração ritual. Afinal, no passado
remoto do século retrasado, neste
dia que acabou sagrado, os grevistas de Chicago foram mortos enquanto reivindicavam menor jornada de trabalho. A solenidade
desta data, embora constantemente lembrada, foi logo deixada
de lado, pois a batucada que tocava convidava mais à dança que ao
luto ou ao protesto.
Quanto à ideologia dos representantes da peãozada, a confusão organizada sempre existiu entre a massa politizada, de modo
que cada tendência panfletária
aproveitava o silêncio dos oradores de um lado, para gritar suas
palavras de ordem contra os outros iguais, que disputavam as
honrarias de serem a "classe revolucionária".
À propósito destas falas e de outras falações, o roteiro do programa lembrava aqueles de auditório, onde as etapas discursivas são
temperadas por presenças festivas. Assim, os conteúdos políticos
dessas lutas se misturavam ao refrões de muitas músicas. Dentre
os artistas agitadores, um ministro de Estado, tendo abandonado
o terno engomado, tomou o microfone para gritar por Bahia, por
Lisboa e por Havana, numa mistura típica de nosso socialismo caboclo. Por essas e outras que as
empresas mais privadas deste
mundo de capitalismo estivessem
maculando a pureza do palanque
com seus reclamos burgueses,
não parecia afetar aos fregueses,
que agradeciam a generosidade
alheia, viesse de onde viesse.
Haviam mesmo esquecido divisões antigas, pois se os próprios
sindicalistas citavam policiais militares quanto à quantidade de
gente que formava as hordas populares!
"Ao meio dia é meio milhão"
concordavam os especialistas em
multidão (à esquerda e à direita).
Não se via muita diferença entre
autoridades e atores, entre empresários e cantores...
Para o povo desfiliado daquele
sindicato que fitava à distância,
restava se dobrar no parapeito
dos alambrados reforçados que
cercavam o latifúndio do palco,
jogando copos de cerveja, refrigerante ou algo mais barato nos seguranças contratados.
Quanto à insegurança, a maior
era a do desemprego, apregoado
pelos vendedores de suco enlatado em pomares estranhos ou estrangeiros.
Como as canções podiam se tornar românticas, também pode ser
que algumas meninas bonitas e
inocentes tenham sido manipuladas com mais ou menos leninismo nas coxias, mas ninguém reclamou na delegacia por força de
intimidades repartidas entre tapas, cotoveladas, abraços e beijos
que não se desejassem.
O novo salário mínimo, pelo
menos, foi vaiado. Depois riram
dele -um pouco, como se fosse
uma piada sem graça.
Mesmo sendo sábado, muitos
pensavam na segunda-feira, dia
de batente. Isso, bem entendido,
pra quem ainda tem onde bater
-sem apanhar no fim do mês, é
claro.
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