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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Globalização e desenvolvimento
ALOIZIO MERCADANTE
A cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe) acaba de divulgar um estudo -cujo título encabeça este
artigo- extremamente importante e oportuno para o entendimento dos problemas que afetam
as economias da região e das questões centrais envolvidas em um
padrão alternativo de desenvolvimento e inserção internacional.
O estudo projeta a análise do
processo de globalização em um
arco de 130 anos, distinguindo três
fases: a primeira, de 1870 até 1913,
marcada por uma grande expansão do comércio e pela mobilidade
internacional do capital e da mão-de-obra (é a época das grandes
migrações, que envolveram cerca
de 10% da população mundial); a
segunda, após um período de retração das relações econômicas internacionais associada às duas
guerras mundiais e à crise dos
anos 30, vai do pós-guerra (1945/
50) até 1973, caracterizando-se pela reduzida mobilidade tanto do
capital como da mão-de-obra, que
coexistem com um ciclo de notável
expansão do comércio de manufaturas entre os países desenvolvidos; finalmente, a terceira fase engloba o último quartel do século
20, que tem na expansão e elevada
mobilidade dos fluxos de capital,
na integração à escala mundial
dos sistemas de produção das empresas transnacionais e na homogeneização dos modelos de desenvolvimento suas características
principais.
É interessante observar como esse processo foi acompanhado, particularmente em sua terceira fase,
por uma crescente concentração e
polarização da renda e da riqueza
mundiais. Em 1820, por exemplo,
a relação entre o PIB por habitante da região mais desenvolvida do
mundo -à época a Europa ocidental- e o da mais pobre -a
África- era de aproximadamente três vezes. Cinquenta anos depois, essa relação já havia aumentado para 5,5 vezes, passando para
11,8 vezes em 1973 e para 19,1 vezes
em 1998.
O caso da América Latina -e,
em particular, o do Brasil- é
igualmente ilustrativo. Entre 1870
e 1973, a relação entre o produto
por habitante da região mais rica
-as colônias inglesas de povoamento lideradas pelos Estados
Unidos- e o da América Latina
se manteve praticamente constante, em torno de 3,4 vezes. Mas, entre 1973 e 1998, aumenta para 4,5
vezes. Ou seja, a expansão e a liberalização dos fluxos de capital e a
homogeneização das políticas
adotadas nos países da região sob
a égide do pensamento neoliberal
ampliaram a brecha entre a região e os países mais desenvolvidos, que, aparentemente, foram os
principais beneficiários da expansão da produção e do comércio verificadas nesse período.
O quadro acima torna mais claro esse processo. Como se pode observar, a América Latina e, especialmente, o Brasil, expandiram-se fortemente tanto durante a fase
de retração do processo de internacionalização da economia
mundial (1913/1950) como no que
a Cepal denomina a segunda fase
da globalização (1950/1973),
quando a vigência do acordo de
Bretton Woods limitava a mobilidade internacional dos fluxos de
capital. O caso do Brasil é dramático: de 1913 a 1973, o país cresceu
a uma velocidade mais de duas
vezes superior à dos Estados Unidos. A partir de então, a situação
se inverteu e, no período de 1990 a
1998, a perda de dinamismo da
economia brasileira fez com que,
pela primeira vez em quase cem
anos, o país crescesse menos do
que o conjunto da América Latina.
Os poucos países não-desenvolvidos que mostraram desempenho
positivo durante a última fase foram o Japão, cujo crescimento entre 1973 e 1998 foi espetacular, e os
demais países asiáticos, que reduziram acentuadamente a distância em relação às regiões mais desenvolvidas. A tragédia africana
expressa-se na estagnação da renda por habitante da região nesse
período, devastada pelo capital espoliativo e pelas guerras que inviabilizaram o desenvolvimento
do processo de descolonização.
Essa tendência à ampliação das
disparidades de renda entre países
e regiões foi acompanhada pelo
aumento das desigualdades dentro de cada país, particularmente
no último período, e por uma queda na participação da região nas
exportações mundiais. Esta, que se
havia expandido sustentadamente desde 1870, declinou de 9,3% em
1950 para 3,9% em 1973 e para
3,5% em 1990, recuperando-se a
partir de então e chegando a 5%
em 1998 devido basicamente às
exportações mexicanas.
Segundo a Cepal, a evolução divergente dos países mais ricos e
dos de nível de renda médio ou
baixo está associada a três assimetrias fundamentais: a concentração do progresso técnico nos países
desenvolvidos e o caráter lento, irregular e crescentemente mais
oneroso de sua propagação aos
países periféricos; a maior vulnerabilidade macroeconômica dos
países em desenvolvimento face
aos choques externos, associada à
sua menor margem para adotar
políticas anticíclicas dada a gravitação e o comportamento dos
mercados financeiros, que tendem
a potencializar o ciclo e a exigir
dos governos políticas pró-cíclicas;
e o contraste entre a elevada mobilidade do capital e as restrições
impostas aos deslocamentos internacionais de mão-de-obra. Agregue-se a isso que a construção das
instituições do mercado global e
seus padrões normativos, típicos
da terceira fase do processo de globalização, obedecem a uma matriz própria dos países desenvolvidos, favorecendo a concentração,
nesses países, dos benefícios da expansão do comércio internacional
e do progresso técnico.
Diante desse quadro, a Cepal
propõe uma agenda de construção
de uma nova ordem global baseada em três objetivos essenciais: fornecer bens públicos globais, como
a democracia, a paz, a segurança,
o desarmamento, a justiça internacional, entre outros; corrigir as
assimetrias internacionais; e incorporar firmemente uma agenda
internacional baseada nos direitos.
Como se vê, uma agenda muito
mais rica, atual e necessária do
que a mesmice dos compromissos
com as chamadas "políticas de
mercado livre", exigidos pelas
grandes corporações financeiras e
seus agentes políticos nacionais e
internacionais.
Aloizio Mercadante, 48, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
dep.mercadante@camara.gov.br
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