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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
A morte dos pobres e as
responsabilidades dos ricos
JEFFREY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em um livro chocante do
ano passado, intitulado
"Late Victorian Holocausts"
["Holocaustos do Período Vitoriano Tardio"], Mike Davis descrevia a atitude do império britânico com relação à fome na Índia e outros lugares. Quando as
monções falhavam, milhões de
indianos enfrentavam a morte
iminente. Alimentos poderiam
ter sido transportados por via
ferroviária, dentro da Índia britânica, permitindo a salvação de
muitas pessoas famintas, mas os
britânicos acreditavam em uma
política de não-interferência.
Fome em larga escala era vista
como parte da natureza.
Na verdade, as atitudes britânicas eram ainda mais chocantes. Os funcionários britânicos
acreditavam que estavam sendo
bravos por evitar que "emoções" os influenciassem!
Inacreditável hoje em dia?
Não, pois os EUA estão fazendo
algo semelhante. O país se mantém inativo enquanto milhões
de africanos morrem de Aids.
Recentemente, o secretário do
Tesouro e o secretário da Saúde
dos EUA visitaram a África e
olharam nos olhos os moribundos. Essas pessoas estão morrendo não porque uma morte
prematura seja inevitável, mas
porque não têm dinheiro para
pagar pelos remédios que as
conservariam vivas. Se cada
norte-americano doasse US$ 10
ao ano para essa causa, mais de 1
milhão de africanos poderiam
ser salvos de mortes provocadas
pela Aids, anualmente.
Como demonstram estudos
recentes, se o bilhão de pessoas
dos países ricos doasse US$ 10
per capita ao ano, o total resultante de US$ 10 bilhões permitiria financiar uma batalha séria
contra a Aids, a tuberculose e a
malária. O novo Fundo Global
de Combate à Aids, Tuberculose
e Malária foi criado neste ano,
mas os países ricos contribuíram com menos de 10% do dinheiro que ele precisa.
Toda desculpa é usada para
evitar dar ao programa o que lhe
é necessário. Importantes funcionários do governo norte-americano continuam a alegar
que não há infra-estrutura para
distribuição de medicamentos.
Vinte e dois anos após iniciada
a pandemia da Aids, o governo
Bush insiste em que não permitirá que a emoção dite suas
ações. Precisamos de um plano,
dizem os EUA, não podemos
simplesmente jogar dinheiro fora com esse problema.
A verdade é mais simples. Os
africanos praticamente não contam na política norte-americana. Os africanos não votam; não
compram produtos dos EUA;
não ameaçam com violência.
São simplesmente pobres.
Poucos países ricos se saem
melhor do que os EUA. A Europa e o Japão também evitaram
as contribuições financeiras para o controle da Aids.
Nos próximos meses, os países
ricos terão três oportunidades
de corrigir seu comportamento.
No começo de junho, a Organização da Agricultura e Alimentos das Nações Unidas realizará
a Conferência Mundial da Alimentação.
Ainda em junho, os países ricos realizarão sua conferência
anual do G-7. Prometeram fazer
da África o seu tema central.
Em agosto, os líderes políticos
de todo o mundo estarão reunidos em Johannesburgo para a
Conferência Mundial sobre o
Desenvolvimento Sustentável.
Os ricos talvez sintam que palavras inteligentes os absolverão
da responsabilidade que portam, mas os famintos e os moribundos são testemunhas da trágica realidade.
Jeffrey D. Sachs é professor da cátedra Galen L. Stone de Economia e diretor do Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard.
Tradução de Paulo Migliacci
Hoje, excepcionalmente, Gilson
Schwartz não escreve nesta coluna.
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