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LUÍS NASSIF
O avô do Brasil
Estava em Natal quando
recebi a notícia da morte de
Mário Lago. À noite, meu amigo e colega jornalista Roberto
Guedes me deu um presente
inesquecível, juntando em uma
mesma roda o regional "Oficina
de Música", com quem toquei
dois anos atrás, e minha antiga
admiração, Ivanildo, "o sax de
ouro", rei dos bailes de 15 anos
do Nordeste.
Comecei a noite recebendo informações preciosas sobre a música do Rio Grande do Norte, sobre Hianto de Almeida, precursor da bossa nova, e os trios Irakitan e Maraiá, sobre K-Ximbinho, o autor de choros clássicos
como "Sonoroso", e alguns autores conhecidos apenas localmente, agora registrados no
"Dicionário da Música do Rio
Grande do Norte", trabalho de
Leide Câmara, ali presente.
No bar da livraria Sparta juntou-se parte expressiva da cultura potiguar. Zé Dias me contava
histórias da música local, os
músicos interpretavam K-Ximbinho e eu me encantava com a
federação musical brasileira,
com as preciosidades que cada
Estado oferece como licor raro
aos iniciados que vêm de fora.
Aí Ivanildo tirou o seu sax,
apresentou parte de sua banda,
todos fisicamente nordestinos,
entranhadamente nordestinos,
cara de tocadores de coco, de
puxadores de congo e, assim como K-Ximbinho, trazendo a
música mais contemporânea
para seus instrumentos. Tocaram Roberto Carlos, Ivanildo se
lembrou de temas de Charlie
Parker e iniciou a homenagem
ritual a Mário Lago. Tocou, como em surdina, "Nada Além",
de Lago e Custódio Mesquita.
Naquele momento, por todo o
Brasil, a imensa religião dos cultivadores da música popular
brasileira, de maestros a cantores de churrascaria, homenageava um de seus maiores. A rapaziada lamentava a morte do
ator de televisão que sempre fazia o velhinho simpático, avô de
todos nós. Os velhos militantes
do Partidão lamentavam um de
seus quadros mais expressivos.
Mas cabia aos músicos a maior
das homenagens: interpretar
seus clássicos.
Mário Lago nasceu em 26 de
novembro de 1911 no Rio de Janeiro, filho do maestro Antônio
Lago. Aos 15 anos publicou seu
primeiro poema. Depois, tornou-se galã de teatro de comédia. Sua carreira começou no
teatro. Em 1933 foi o mais jovem
autor de peças teatrais do Rio,
com a revista "Flores à Cunha",
sátira ao gaúcho Flores da Cunha, estrelada por Araci Cortes.
Foi ator dos mais consagrados, no início como galã com Joracy Camargo, passando pela
rádio-novela, sendo expulso da
rádio Nacional pelo movimento
militar de 1964 e sendo resgatado para a arte pela TV Globo,
onde estreou em 1968 em "O
Sheik de Agadir".
Não há nada de politicamente
mais brasileiro e carioca do que
sua prisão na mesma cela que
Carlos Lacerda. Ele, comunista
ao extremo, Lacerda, ferrenhamente anticomunista, trataram-se com respeito mútuo e
criaram solidariedade em torno
de... empadinhas. Viram alguém comendo empadas e passaram dias com água na boca,
esperando a libertação. Libertados, logo correram atrás de empadinhas de botecos.
Estreou na música colocando
letra em "Menina, Eu Sei de
uma Coisa", com Custódia Mesquita, gravado em 1935 por Mário Reis. Três anos depois, Orlando Silva gravaria seu primeiro clássico, "Nada Além" ("Nada além / nada além de uma
ilusão"), também em parceria
com Mesquita. Com Ataulfo Alves compôs mais dois clássicos,
"Ai Que Saudades da Amélia" e
"Atire a Primeira Pedra". Com
Roberto Riberti, compôs um dos
maiores sucessos do Carnaval,
"Aurora" ("Se você fosse sincera
/ ô ô ô ô, Aurora"), gravado por
Carmen Miranda.
A essas, os iniciados agregariam uma série de composições
fundamentais, como a valsa
"Devolve" ("Devolve, que eu te
devolvo ainda / esta saudade infinda que eu tenho de ti"), a
"Número Um", ("Passaste hoje
ao meu lado / vaidosa de braços
dados"), com Benedito Lacerda,
"É Tão Gostoso seu Moço" (com
Chocolate), gravado por Nora
Ney. Todas essas músicas integram o repertório que recebemos de nossos pais e nem sei se
passaremos aos nossos filhos.
Morreu como o avô que encarnava na TV, com cinco filhos,
nove netos e três bisnetos. E deixou todos seus órfãos musicais
aos cuidados dos últimos clássicos ainda vivos, Braguinha e
Dorival Caymmi.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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