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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Vento de popa
LUCIANO COUTINHO
Na semana passada, o ministro da Fazenda comunicou à sociedade que, vencida a
ameaça de retorno da inflação, o
país está pronto para voltar a
crescer. Com razão, depois de
mais de duas décadas de crises e
crescimento medíocre, três condições básicas para a sustentação
do crescimento estão sendo amadurecidas.
Primeiro, a reafirmação de que
a inflação não será mais uma
ameaça e o convencimento dos
mercados de que a trajetória dos
índices de preços é efetivamente
declinante, conforme as metas estabelecidas pelo Banco Central.
Segundo, o sistema fiscal-tributário brasileiro -apesar de suas
distorções- é eficiente para gerar um superávit fiscal primário
superior a 4% do PIB e, assim,
manter o endividamento público
sob controle. Ademais, firmou-se
a percepção do sério compromisso
do governo Lula com a responsabilidade fiscal e, objetivamente,
vem ocorrendo uma redução gradual da dívida pública indexada
à taxa de câmbio (de 37% no início do ano para cerca de 26% hoje), o que representa uma diminuição expressiva de vulnerabilidade fiscal.
A terceira condição para crescer
radica no fortalecimento em curso do balanço de pagamentos. Como é sabido, a sustentação de um
superávit comercial elevado é
condição-chave para restaurar a
plena autonomia da política econômica, permitindo ao Brasil recuperar um volume adequado de
reservas de divisas para fazer
frente às turbulências internacionais. A reversão do déficit externo
em conta corrente -pela primeira vez desde 1992, o país encerrará o ano com um pequeno superávit externo- deveu-se ao extraordinário desempenho da balança comercial, que deve fechar
2003 com superávit próximo de
US$ 22 bilhões. As exportações
devem saltar de US$ 60 bilhões
em 2002 para US$ 71,5 bilhões
neste ano, com surpreendente incremento de quase 19%. Convém
registrar que uma parcela expressiva desse resultado se deve a fatores excepcionais, não necessariamente sustentáveis, a saber:
ressurreição da Argentina, novos
espaços no mercado chinês e melhoria dos preços das commodities. De fato, no período de janeiro a setembro de 2003 (sobre o
mesmo período de 2002), as exportações cresceram 89,7% para a
China e 89,6% para a Argentina,
enquanto os preços dos semimanufaturados melhoraram 12,4% e
os dos produtos básicos subiram
7%. Não se pode negar, porém,
que o forte estímulo da depreciação da taxa de câmbio no segundo semestre de 2002 contribuiu
decisivamente para mudar a estratégia do setor empresarial. O
mercado externo voltou a ser um
alvo estratégico mormente numa
conjuntura de retração do mercado interno. Com efeito, ainda que
fossem excluídos aqueles fatores
excepcionais não diretamente associados ao estímulo cambial, as
exportações teriam crescido ao
expressivo ritmo de 11% ao ano
em 2003 (e não a 19% ao ano).
Anote-se que uma parcela importante desse resultado pode ser creditada à significativa depreciação
do próprio dólar em relação ao
euro (de 15%) ao longo deste ano,
o que decerto incrementou a competitividade dos produtos brasileiros nos mercados europeus. De
fato, apesar da estagnação européia em 2003, as exportações brasileiras para o velho continente
subiram cerca de 22% no período
de janeiro a setembro.
Sem embargo, ao longo de 2003
uma parte importante do estímulo cambial herdado de 2002 foi
desfeita pela relativa apreciação
da taxa de câmbio real vis-à-vis o
dólar. Os prováveis efeitos negativos dessa apreciação ainda não
podem ser avaliados com segurança. Mas é plausível que, se persistir, determine uma desaceleração do ritmo das exportações, o
que, em conjunto com a reativação da economia (e das importações), rebaterá sobre o superávit
comercial. No presente, porém, o
impacto favorável do surpreendente crescimento das exportações tem atenuado essas preocupações, criando uma tolerância
ante a apreciação cambial, o que
facilitou muito ao Banco Central
a tarefa de controle da inflação.
Se, em 2004, a taxa de expansão
das exportações se reduzir para
7% ao ano e o crescimento das
importações alcançar 15% ao
ano, ainda assim o superávit comercial alcançará a cifra de US$
20 bilhões. Esse nível de superávit
é suficiente para não causar estresse sério no mercado de câmbio e nas expectativas, mas pode
gerar apreensão quanto à trajetória futura do saldo comercial
quando o crescimento ganhar
força e as inversões subirem. Portanto, para assegurar a sustentação do ajuste externo, é prudente
que, mantida a flutuação, o Banco Central não permita apreciação sistemática da taxa de câmbio (mormente porque os ingressos de investimento direto tenderão a aumentar). A política indicada seria a de adquirir reservas
para reduzir o passivo externo líquido e, assim, caminhar rápido
para a obtenção do status de "investment grade". Não se pode dispensar, além disso, uma política
industrial que acelere a formação
de capacidade exportadora e alavanque a competitividade da economia. O crescimento sustentável
está, finalmente, chegando ao
nosso alcance.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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