|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A dívida que o transporte quer pagar
KEIJI KANASHIRO
Um dia, ao falar com um jornalista da área econômica,
fui enumerando os diferenciais
do governo Lula para o setor de
transportes sem mencionar números. Contei as principais ações
que estão contribuindo para o pagamento da dívida social do país.
Um setor antes preocupado com
grandes projetos e com recursos
para custeio de concreto, de asfalto e de engenhocas da tecnologia
passou a perseguir a meta da geração de empregos. Ocorreu uma
ruptura histórica com um passado de obras, determinadas pela
geopolítica, e o início da construção do verdadeiro Ministério dos
Transportes, a serviço da integração, do desenvolvimento, da agricultura, do turismo e do comércio
exterior.
Foi preciso retomar o planejamento de longo prazo, esquecido
desde os planos decenais dos governos militares, elaborar uma
matriz nacional de origem e destino de cargas que mapeasse a
produção, o consumo e o seu destino, dar novo foco aos projetos de
integração, apostando na união
física para o desenvolvimento e o
fortalecimento da América do
Sul.
A maior mudança foi romper
com a cultura de trabalhar apenas para pagar as contas das
obras. O ministério passou a resgatar uma pesada dívida com a
sociedade, pensando o transporte
como instrumento de inclusão social e de preservação do ambiente.
A criatividade preponderou sobre o orçamento limitado e permitiu encontrar alternativas para
problemas sociais derivados do
transporte. A retomada do transporte ferroviário de passageiros
foi um grande passo e 2003 terminou com quase cem pedidos de
trens para fins turísticos, de desenvolvimento regional ou social.
Pelo menos dez trechos estarão
operando neste ano.
A Transnordestina vem saldar
parte da dívida, com a tarefa de
levar e trazer gente e riquezas para a região. Se o olhar fosse só econômico, a obra seria a última a
ser realizada entre as ferrovias
em construção no Brasil, rol que
inclui a Ferronorte e a Norte-Sul.
Mas é preciso transporte para desenvolver o Nordeste e atacar a
miséria social. A ferrovia será vital para o sistema logístico do
Nordeste, complementado por
projetos como a BR-101, a revitalização da malha ferroviária nordestina, os portos de Itaqui, Aratu, Pecém e Suape.
A produção agrícola recorde do
Centro-Oeste requer transporte
de qualidade e barato. A ferrovia
é o modo indicado, mas, no corredor ferroviário de Mato Grosso e
de Mato Grosso do Sul até o porto
de Santos, o maior gargalo é a habitação. No trecho entre Campinas (SP) e o porto, a faixa de domínio foi ocupada e há 6.000 residências em áreas de risco. A favelização obriga à redução drástica
da velocidade dos trens e não
afasta os riscos à segurança, gerando mortes, mutilações e depredação de patrimônio.
Entra em cena a engenharia social para resolver um problema
de habitação e garantir benefícios
econômicos que extrapolam o
transporte. O Ministério dos
Transportes deve fechar um diagnóstico no primeiro semestre deste ano e articular a solução com
outros ministérios, Estado e municípios. Irá promover a revitalização da faixa de domínio e a
transferência negociada dos moradores em situação de risco.
A conservação de rodovias vai
gerar mais empregos. Com o Ministério da Assistência Social será
lançado um programa para garantir 200 empregos de mão-de-obra local por trecho rodoviário.
A fórmula, aplicada com sucesso
no continente africano, é simples:
bastará incluir novos critérios nos
contratos com empreiteiras.
A pavimentação da BR-163, que
liga Mato Grosso ao Pará, paga
uma dívida com o desenvolvimento do Norte do país. Lá a falta
de transporte limita o acesso a
bens e serviços comuns. Porém
não basta concluir uma ligação
rodoviária, é preciso garantir um
projeto de desenvolvimento regional sustentável, que considere o
transporte, a produção e, prioritariamente, o ambiente.
A mudança da matriz de transportes brasileira, que transporta
mais por rodovia do que pelos
dois modos mais econômicos (hidrovia e ferrovia) e que esqueceu
a cabotagem, é outra forma de
saldar a dívida-país. O transporte
competitivo gerará um efeito em
cadeia: mais grãos no campo,
mais tecnologia na indústria e
aumento da lista de supermercado.
A ênfase no social, em vez de assustar, instiga. Instituições financeiras de peso estão de olho nos
projetos citados e há, para espanto, um clima de disputa. A iniciativa privada vem percebendo a
importância de ser parceira e se
mostra aberta a firmar um modelo misto de investimentos.
A missão está no começo, mas
vale dar um toque para a sociedade: é preciso enxergar a ação pública além dos números e perceber que o espetáculo do crescimento depende muito mais do
"por que fazer", do "como fazer" e
do "onde fazer" do que das especulações sobre "quando" e "quanto", sempre repisadas pela mídia.
Costumo dizer que ainda hoje o
problema do Ministério dos
Transportes não é de orçamento,
mas de gestão. Mais do que ter dinheiro, é preciso saber gastá-lo
adequadamente e em projetos
que tragam soluções para transformar o Brasil.
Keiji Kanashiro é secretário-executivo
do Ministério dos Transportes.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Maria da Conceição Tavares.
Texto Anterior: Opinião Econômica - Rubens Ricupero: Felicidades Próximo Texto: Luís Nassif: Os incríveis Índios Tabajaras Índice
|