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NOVO FILÃO
Segundo estimativas do Ministério do Trabalho, existem 18 mil entidades; contribuições chegam a R$ 600 mi por ano
País ganha um novo sindicato a cada dia
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Criar uma entidade sindical no
Brasil pode ser sinônimo de negócio lucrativo. Responsáveis pela
movimentação de mais de R$ 600
milhões por ano somente em recursos da contribuição sindical (o
chamado imposto sindical), os
sindicatos se proliferam no país e
atuam sem mecanismos de fiscalização por parte do governo.
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram
que de janeiro a novembro do ano
passado, 335 novos sindicatos foram registrados -o que equivale
ao surgimento de quase uma entidade por dia. A estimativa do governo é que atualmente existam
no país cerca de 18 mil sindicatos
de trabalhadores e de patrões.
"Abrir um sindicato no Brasil é
mais fácil do que abrir um botequim", afirma o secretário de Relações do Trabalho do MTE, Osvaldo Bargas, que também é coordenador do FNT (Fórum Nacional do Trabalho), grupo formado
por governo, trabalhadores e empresários para discutir as reformas sindical e trabalhista.
De acordo como o secretário, o
efeito colateral de uma legislação
que prevê a liberdade sindical irrestrita é o surgimento de sindicatos de fachada. São entidades que
não têm filiados, embora tenham
registro sindical, e vivem às custas
das contribuições previstas legalmente.
Atualmente, as exigências para
criação de sindicatos são mínimas, não havendo necessidade,
por exemplo, de comprovação de
representatividade. Para obter registro no ministério, o sindicato
não precisa provar ter um filiado
sequer. "Nem dez anos depois de
concedido o registro precisa comprovar nada", disse Bargas.
O registro sindical concedido
pelo governo não chega a ser uma
autorização porque a Constituição veda esse tipo de exigência
por parte do Estado para que um
sindicato possa existir. "A partir
da Constituição, o Ministério do
Trabalho funciona apenas como
um depósito de registro sindical",
diz o secretário.
Se o ministério nega o pedido de
registro por descumprimento do
princípio da unicidade sindical
(um sindicato por base territorial), a maior parte recorre à Justiça e consegue obtê-lo.
O mesmo ocorre quando, após
a concessão do registro ao sindicato, outra entidade entra com
pedido de impugnação, alegando
já representar determinada categoria. Caso o ministério mantenha o registro sindical para a nova
entidade, o sindicato autor da impugnação recorre ao Judiciário
para cassar o novo registro.
"Quando o caso vai para a Justiça, o Ministério do Trabalho lava
as mãos. É a Justiça que vai decidir. E quem vai decidir na Justiça
não entende nada de sindicato",
afirma o secretário.
Arrecadação
Com o registro, o sindicato passa a ter o direito de cobrar o imposto sindical entre outras contribuições. No caso do imposto, as
empresas são obrigadas a recolher a contribuição do trabalhador, mesmo que ele não seja filiado à entidade.
Outras contribuições, como a
confederativa e a assistencial,
também podem ser cobradas do
trabalhador sem filiação a um sindicato, mas não são obrigatórias.
O imposto sindical é cobrado
anualmente sobre o pagamento
de fevereiro e equivale a um dia de
salário do trabalhador.
"Neste período, se o trabalhador estava desempregado, não
paga. Mas, se depois arrumou
emprego em setembro, o novo
empregador vai ter que descontar", diz Bargas.
No caso de sindicatos patronais
ou de trabalhadores autônomos,
a entidade manda confeccionar
um boleto para recolhimento da
contribuição sindical e o envia a
todos endereços de trabalhadores
ou empresas.
"Os sindicatos mandam fazer o
formulário e metem ali o Brasão
da República e o nome do Ministério do Trabalho. Quando o cara
recebe, diz: "Isso é um imposto".
Conversa com o contador e acaba
pagando o boleto para não gerar
um passivo", conta Bargas.
A contribuição sindical corresponde a um percentual variável
(0,02% a 0,8%) sobre o capital social da empresa.
O valor recolhido de patrões e
empregados é rateado: 5% para a
confederação, 15% para a federação, 60% para os sindicatos e 20%
para o Ministério do Trabalho.
Para trabalhadores rurais, a sistemática de recolhimento é diferente. A contribuição é recolhida
pelas confederações -CNA
(Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil) e Contag
(Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)- e
repassada para as federações e
sindicatos.
Antes, o governo exigia dos sindicatos anualmente prestação de
contas de seus gastos. Hoje isso é
proibido, assim como qualquer
tipo de fiscalização, interferência
ou intervenção do governo no
funcionamento ou nas atividades
do sindicato.
Controle
"Ninguém tem controle. Quando a gente pega uma lista de endereços de sindicatos e telefona para
eles, muitos não existem. Ou então, vamos olhar a composição da
diretoria, às vezes são todos parentes", diz o secretário.
Bargas acrescenta que já estudou o movimento sindical nos Estados Unidos, no México, na Argentina, no Chile, na Colômbia,
no Peru, nos países da Europa e
na África do Sul. Em todos eles, as
regras são mais rígidas.
"Não existe lugar mais fácil para
ser sindicalista do que no Brasil. A
culpa disso é o monopólio da representação sindical. O Estado te
dá o monopólio e todas as garantias para sobreviver. É o monopólio financiado", afirma.
Como a Constituição, além de
prever a liberdade sindical, estabelece a unicidade sindical, mesmo que um sindicato desagrade à
categoria ou não tenha representatividade nenhuma, por estar estabelecido naquela base territorial
não pode sofrer a "concorrência"
de outro sindicato.
Por esse motivo, o Brasil ainda é
um dos países que não assinaram
a Convenção 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
O documento diz que o Estado
tem de garantir um sistema de organização sindical em que os trabalhadores sejam livres para criar
seus sindicatos a partir de regras
de representatividade.
A convenção declara ainda que
a contribuição para esses sindicatos não pode ser obrigatória. Em
outras palavras, os sindicatos devem ser financiados por seus filiados. O documento declara ainda
que os países devem ter normas
de proteção ao exercício da atividade sindical.
"Por deter o monopólio, existem muitos líderes sindicais que
nunca administraram uma greve.
Os sindicatos são grandes clubes", afirma o secretário.
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