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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Intervir em mercados é heresia necessária e aceitável
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Nem tudo é respeito obsessivo pela ortodoxia econômica. Nesse momento em que
algumas das principais economias em desenvolvimento se
rendem a programas de ajuste
ditados por organizações como
o FMI e o Banco Mundial, pelo
menos um templo do conservadorismo econômico dá espaço
para heresias.
É o semanário inglês "The
Economist". Em sua mais recente resenha dos desenvolvimentos no mercado internacional de capitais, ele conclui que,
diante dos fracassos em todos os
quadrantes do hiperliberalismo
financeiro, um "bom liberal"
precisa "parar para pensar".
O relatório do editor Clive
Crook abandona um dos mais
arraigados hábitos de pensamento da teoria econômica convencional: considerar que o
equilíbrio idealizado numa troca comercial acontece e se aplica
a todo e qualquer tipo de troca
(compra e venda): de dinheiro,
de tecnologia e de trabalho.
Os modelos clássicos de economistas garantiam que a liberação dos mercados (menos intervenção do Estado, eliminação
de barreiras ao trânsito de capitais, libertação da mão-de-obra
para ser comprada e vendida no
mercado) ampliariam as oportunidades para todos. E o aumento de oportunidades, se não
levasse a melhoria de renda para
todos, ao menos não prejudicaria ninguém. Quanto mais trocas, mais oportunidades de geração de renda para todos. Um
país que se abre ao comércio internacional teria mais mercados
para sua produção e, ao mesmo
tempo, acesso a mais mercados
para seus consumidores.
Cada barreira ao fluxo de bens
e pessoas que cai abre oportunidades antes inalcançáveis. Não
por acaso, o símbolo da chegada
ao poder do neoliberalismo foi a
queda de uma barreira, o Muro
de Berlim em 1989.
A "Economist" não chega ao
ponto de duvidar desse idealismo liberal que nasceu no império britânico a partir do século
18. Mas Crook diz que a mesma
lógica do mercado livre aplicada
às finanças produz catástrofes.
A heresia é introduzida por
uma única causa: a existência do
tempo. É a ignorância sobre o
futuro (por exemplo, a impossibilidade de confiar na taxa de
câmbio) que dificulta o reequilíbrio de um mercado financeiro
instável por definição. Pior: certos desequilíbrios têm seus efeitos multiplicados exponencialmente, produzindo fenômenos
como a "calamidade financeira
recorrente", a "moratória de dívida soberana", a "crise cambial", a "quebradeira bancária",
o "crash na Bolsa", as "décadas
perdidas" e também as armadilhas financeiras que hoje comprometem as principais economias do planeta: EUA, União
Européia e Japão.
Aplicar a lógica mercantil pura aos circuitos financeiros é ignorar a diferença entre produtos
(bananas ou sapatos) e ativos
(títulos cujo valor depende de
fluxos de pagamentos distribuídos ao longo do tempo, como
uma dívida de empresa).
Existe um nível de equilíbrio
para a taxa de câmbio? O câmbio resulta do jogo entre oferta e
procura por dólares. Se houver
mecanismos capazes de conduzir oferta e procura a um equilíbrio, o câmbio se estabiliza. Parte da oferta e procura por dólares resulta do comércio internacional. Mas o dólar é também
um ativo. Oferta e procura por
ele estão sujeitas à instabilidade
dos mercados de ativos (Bolsas,
dívidas pública e privada).
A "Economist" está dizendo
que não se deve confiar nesses
mercados de ativos para chegar
ao equilíbrio da taxa de câmbio.
Conclusão: quem nos governos não entende a diferença entre bananas e dólares fatalmente
conduz economias ao desastre.
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