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ANÁLISE/O VAIVÉM DO DÓLAR
Agora, política do BC e do governo é fortalecer o real
JOSÉ JÚLIO SENNA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A partir de março deste
ano, o Banco Central passou a revelar certo grau de preocupação com o patamar atingido
pela taxa de câmbio. Naquela
época, como se recorda, o preço
do dólar situava-se em torno de
R$ 2,10. Teve início, então, uma
série de intervenções no mercado
cambial.
Numa primeira etapa, que prevaleceu entre março e junho, as
autoridades monetárias promoveram vendas expressivas de
moeda estrangeira e de papéis
cambiais de prazo curto e aumentaram de maneira modesta a taxa
básica de juros da economia.
Naquele momento, estavam
sendo postos em prática os famosos princípios da intervenção
cambial não-esterilizada, segundo os quais as operações no mercado de divisas devem ser acompanhadas de alterações no rumo
da política monetária. Note-se
que a elevação de taxa de juros
justificava-se plenamente, devido
à constatação de que a demanda
agregada encontrava-se aquecida
e o núcleo da inflação em alta. Na
medida em que os juros subiam, a
demanda estaria sendo contida,
contribuindo para melhorar as
perspectivas inflacionárias e reduzir o déficit em transações correntes do balanço de pagamentos.
Como se sabe, a tentativa de
conter a depreciação do real não
teve sucesso e a hipótese de que
estávamos diante de um bolha especulativa ganhou corpo. Em resposta ao crescimento das preocupações nesse sentido, o BC tratou
de fazer uso de um arsenal mais
poderoso, aumentando o peso de
suas intervenções no mercado e
promovendo aumento mais significativo da taxa de juro.
Especulação x fundamentos
Logo se percebeu que o processo de depreciação da moeda doméstica tinha mais a ver com a
piora dos fundamentos macroeconômicos do que propriamente
com movimentos de cunho especulativo. Foi quando se caminhou
para a terceira etapa dessa série de
intervenções. Desta vez, ficou clara a intenção das autoridades monetárias de evitar qualquer tipo de
"cabo-de-guerra" com os participantes do setor privado, dando-se
início à fase de "irrigação" do
mercado, mediante vendas homeopáticas de dólares, a um ritmo de US$ 50 milhões por dia.
A despeito desses esforços, a depreciação do real continuava. No
pior momento, o preço da divisa
alcançou R$ 2,835. Chegamos à
fase atual, que aparentemente envolve um grau bem maior de determinação, comparativamente
ao revelado nas etapas anteriores.
Que fatores nos fazem acreditar
na veracidade dessa hipótese?
Em primeiro lugar, é preciso
lembrar que esta quarta etapa da
política de intervenções cambiais
envolve expressiva mudança na
administração da dívida pública e
que, no governo, têm-se discutido
as condições capazes de justificar
eventual comportamento ativo na
administração da dívida.
Crença na queda do dólar
Do ponto de vista teórico, se governantes e demais agentes econômicos têm acesso às mesmas
informações e se os participantes
de mercado exploram adequadamente diferenciais de retorno entre títulos públicos de natureza
distinta (indexadores diferentes,
por exemplo), as tentativas de gerir ativamente a dívida governamental mostram-se infrutíferas.
Na prática, porém, nem sempre
as condições ideais sob as quais a
política seria neutra são satisfeitas, e é isso o que dá sentido a uma
política que busque a composição
"ótima" do endividamento público. Se o governo acredita, por
exemplo, como parece acreditar,
que o real está excessivamente depreciado, o aumento da dívida indexada ao dólar, utilizado na tentativa de conter a escalada da taxa
cambial, pode concorrer para a
obtenção de uma melhor composição da dívida.
Em segundo lugar, e reafirmando o que foi dito acima, passou a
ser voz corrente na equipe econômica a hipótese de que o real encontra-se "excessivamente depreciado", situação essa que tende a
se corrigir. No entender dos dirigentes do Banco Central, o câmbio real não cai mais do que 25%
ou 30%. Na prática, as correções
acontecem mediante aumento da
inflação ou apreciação nominal
da moeda, sendo de esperar que
este último corresponda ao caso
brasileiro atual.
A nova intervenção
A nosso ver, a "unanimidade" a
que se chegou seria fruto da intenção de se transmitir para o público a idéia de que a aposta do Banco Central na apreciação da moeda doméstica constitui uma decisão de governo, e não uma atitude
isolada das autoridades monetárias. A venda de títulos indexados
ao dólar tanto por parte do Banco
Central quanto por parte do Tesouro seria uma demonstração
do consenso a que teria chegado a
equipe econômica.
Em terceiro lugar, não tem sido
modesta a mudança na composição da dívida pública. Como resultado da estratégia ora em curso, em cerca de oito meses a parcela do endividamento mobiliário
federal indexado à taxa de câmbio
subiu de 23% para 31%, ao mesmo tempo em que o percentual de
papéis cambiais que vencem em
12 meses (ou seja, a curto prazo)
passou de 34% para 40%.
Em quarto lugar, é essencial
lembrar que o Banco Central já
fez uso de medidas de cunho administrativo, com o propósito básico de tentar forçar o sistema
bancário a reduzir suas posições
compradas de moeda estrangeira
(compulsório e alavancagem). A
julgar pelos indícios disponíveis, a
disposição de voltar a fazer uso de
mecanismos do mesmo tipo está
longe de ter desaparecido.
O dólar e a dívida
Tudo isso em conjunto parece
realmente caracterizar uma nova
política, voltada para influenciar a
cotação do dólar e para tirar proveito de tal possibilidade, reduzindo o custo da dívida pública.
São essas considerações que nos
permitem chamar de "ativa" a estratégia do governo, que, evidentemente, tem seus riscos.
Por certo, qualquer política intervencionista adquire chances
maiores de sucesso quando os
ventos sopram a favor. Por acaso,
no momento, está em curso uma
série de eventos que tem contribuído para aliviar as pressões no
mercado de câmbio, a saber: a) os
sinais claros de que a balança comercial está "virando", tornando-se elevada a probabilidade de obter um resultado bastante positivo
em 2002 (possivelmente, mais de
US$ 6 bilhões); b) os bons resultados na área fiscal, tendo a meta de
superávit primário de 2001 sido
atingida já em setembro; c) o bom
comportamento do núcleo da inflação, previsto para os próximos
meses; d) o reforço das reservas
internacionais produzido pela antecipação da receita das "polonetas" (US$ 2,5 bilhões) e e) o fato de
que a situação argentina tem afetado cada vez menos as medidas
de risco Brasil. Com ventos favoráveis, a curto prazo, a política de
intervenções dá relativamente
certo. A demanda por "hedge" fica mais contida, na presença de
um câmbio menos depreciado.
Naturalmente, tudo isso deixa de
ser verdade se os ventos mudam
(caso, por exemplo, de um acontecimento radical na Argentina).
Por fim, é essencial não esquecer que, em horizontes mais longos de tempo, o comportamento
da taxa de câmbio depende mesmo é dos fundamentos. Na medida em que se apresentem efetivamente boas as condições de financiamento do setor externo em
2002, podemos esperar que a
tranquilidade atualmente presente no mercado cambial perdure.
Caso contrário, as pressões sobre
o preço da divisa fatalmente voltarão, de pouco adiantando as intervenções oficiais.
José Júlio Senna, 55, é doutor em economia pela Universidade Johns Hopkins,
ex-diretor da Dívida Pública do Banco
Central, e sócio-diretor da MCM Consultores Associados. É autor de "Os Parceiros do Rei" (Topbooks, 1995)
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