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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Argentina desmoraliza
reforma do comércio mundial
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
O retorno de temas como choque de civilizações, capitalismo e democracia
pode ser saudável, mas por enquanto impera a confusão, possivelmente motivada pela sensação cada vez mais generalizada
de que o sistema econômico internacional está mergulhando
num ciclo recessivo com probabilidade crescente de terminar
em depressão. Outro fator que
pesa é a proximidade da cúpula
ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Na semana passada, o Banco
Mundial (Bird) divulgou seu relatório de perspectivas para a
economia global. O sentido é o
da reafirmação das virtudes do
capitalismo, se houver coragem
política para uma nova onda de
liberalização. Contra essa visão
idílica e economicista, é crucial
perceber o que, na prática, condiciona a formação dos preços,
em especial as condições de financiamento. É justamente esse
ponto, aliás, que transparece na
análise da América Latina.
O fato é que, embora a retórica
seja liberal, a análise concreta,
não apenas de Brasil e Argentina, mas de todos os países em
desenvolvimento, está centrada
na percepção de um grave descompasso entre fluxos comerciais e financeiros. A crise Argentina é bastante didática, porque ocorre num momento em
que as taxas de juros caem em
todo o mundo. O compromisso
financeiro assumido é incompatível com o perfil de integração
comercial argentino e brasileiro.
Com todas as letras, o relatório
afirma que "Argentina e Brasil
devem sofrer mais por causa das
turbulências nos mercados de
capitais do que devido a efeitos
comerciais relacionados ao enfraquecimento da atividade global". Isso "reflete o nível elevado
de dívidas públicas e privadas e
grandes déficits em conta corrente (cerca de 3% do PIB para a
Argentina e em torno de 5% para o Brasil)". Com esse perfil de
dívida, nem a queda dos juros
no resto do mundo ajuda.
O recuo nos preços das commodities prejudica mais intensamente países que, como o Brasil e a Argentina, abriram mão
de políticas de exportação e
substituição de importações, como as feitas pelos asiáticos. A
explicação para esse endividamento sem melhora no padrão
tecnológico (ao contrário, com
regressão em vários setores) é
muito simples: a obsessão com a
estabilização de preços movida
pela atração de capitais externos
(frequentemente com base em
juros elevados ou na privatização de estatais).
É importante sublinhar que a
situação atual não é resultado da
hipocrisia dos países mais ricos,
que apenas defendem muito
bem os seus próprios interesses.
Nem é uma situação que se possa resolver com a expectativa de
que o crescimento mundial ou
uma forte rodada de liberalização comercial nos países ricos
abram espaço para que as balanças comerciais garantam os recursos para financiar o desenvolvimento dos pobres.
É o padrão de financiamento
que está errado; novamente é
uma "crise da dívida". Mas a tal
"reforma da arquitetura financeira mundial", que chegou a ser
sugerida pelo ex-presidente
norte-americano Bill Clinton
após a crise asiática, caiu no esquecimento. Nos próximos dias,
as atenções estarão voltadas para a reunião da OMC, mas não
existe uma instituição multilateral capaz de reordenar o sistema
financeiro internacional.
Liberalizar o comércio global
sem garantir novas formas de financiamento, no entanto, é apenas realimentar as assimetrias
que condenam os países mais
pobres a sacrifícios crescentes.
Como ilustra a crise argentina,
reformas econômicas sem um
modelo sustentável de financiamento apenas desmoralizam a
própria agenda liberal.
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