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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Transformação social como eixo do desenvolvimento
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
A prioridade social tem de
ser a essência do desenvolvimento econômico, e não um mero
apêndice ou um suposto resultado natural do crescimento. Os
macroobjetivos e prioridades sociais são basicamente três: 1) a inclusão de 56 milhões de brasileiros, subcidadãos que sobrevivem
em condições de extrema precariedade, sem acesso aos bens e serviços essenciais a uma vida minimamente digna, com atenção
preferencial para os setores mais
vulneráveis como crianças e velhos; 2) a preservação do direito
ao trabalho e da seguridade social de milhões de assalariados e
de pequenos e médios produtores
rurais e urbanos e a criação de
novas fontes de empregos para jovens que buscam ingressar no
mercado de trabalho e 3) a universalização dos serviços sociais
básicos, com a elevação progressiva da qualidade dos serviços prestados e o crescente envolvimento
da população na sua gestão, em
coordenação com as várias esferas de governo.
O desenvolvimento com justiça
social implica, portanto, uma
ruptura com as tendências históricas do desenvolvimento brasileiro altamente concentrador da
renda e da riqueza e gerador de
exclusão social. Trata-se também
de abandonar as políticas neoliberais da última década que se
caracterizaram pela "irresponsabilidade cambial", mas também
pela "irresponsabilidade fiscal" e
tiveram como resultados mais visíveis uma explosão do déficit de
transações correntes e da dívida
pública interna. As consequências mais danosas dessas políticas
foram as práticas predatórias de
"desajuste fiscal permanente"
com elevação constante das "contribuições sociais" e seu uso abusivo em pagamento de juros altos
em vez de sua aplicação em gastos
na seguridade social, como está
previsto na Constituição de 1988.
O núcleo da retomada do crescimento sem restrição externa teria
de deslocar-se para a ampliação
do mercado interno de massas,
envolvendo a solução de pontos
de estrangulamento da infra-estrutura e correção de rumo da expansão de serviços públicos de uso
universal e dos bens básicos da
cesta de consumo popular. Uma
mudança radical do modelo de financiamento da economia é fundamental, com a reorientação e
aumento da capilaridade das instituições públicas de crédito. A redefinição do papel e da importância do investimento estrangeiro
em certos setores industriais e de
infra-estrutura, em que se tornaram os maiores geradores de déficits nas contas externas, é também necessária. Finalmente, a
modificação das formas de intervenção do Estado na economia
exige uma coordenação com o setor privado dentro de uma visão
inovadora que permita construir
uma ética pública de regulação e
apoio às políticas prioritárias.
A transformação do social no
eixo do desenvolvimento não significa, portanto, somente revalorizar, nos planos de governo, os
chamados aspectos sociais -a fome, a educação, a saúde, o saneamento básico, a habitação e a cultura-, que são programas em si
mesmos meritórios para ampliar
o emprego e a cidadania. Significa ir além disso e conceber programas coordenados de investimento nesses setores, na infra-estrutura e nos sistemas logísticos e
de crédito interno, transformando-os em vetores do crescimento,
da distribuição de renda e do emprego. Deve significar também
uma ocupação mais racional do
espaço, sobretudo dos recursos
naturais e das fontes de água e
energia, e conceber e levar à prática uma geopolítica interna soberana, auto-sustentável e pactuada em todos os âmbitos da Federação.
Vejamos a "dinâmica econômica" de alguns casos em que o pensamento conservador mais exercita a capacidade de sofismar
com as propostas da oposição. A
ampliação da produção de alimentos é essencial já que a elasticidade da demanda diante das
políticas redistributivas, em níveis baixos de renda, costuma ser
extremamente elevada. A organização do abastecimento desses
bens (que não passam pelas redes
de exportação das grandes commodities agrícolas) é essencial sobretudo no caso dos alimentos
produzidos pelos assentamentos
de uma reforma agrária ampliada, que é indispensável para assegurar a eficácia do esforço de aumento da produção e da distribuição da renda e da propriedade.
As políticas redistributivas e de
emprego levarão também a um
aumento de escala dos setores de
bens tradicionais que, além de
atender ao aumento do consumo
popular, permitirão uma especialização e uma diferenciação de
produtos favoráveis ao aumento
da eficiência de certos complexos
agroindustriais, que vão dos recursos naturais ao produto final.
Assim, um aumento da escala de
produção de bens de uso generalizado cria também condições de
aumento simultâneo do consumo
interno e das exportações.
Finalmente, a expansão da renda e do emprego permite um
aproveitamento seletivo da capacidade ociosa existente nos setores mais modernos da economia,
que deixaram de ser dinâmicos.
Estes voltarão a crescer por força
da demanda induzida sobre bens
finais manufaturados mais complexos e componentes de suas cadeias produtivas. Aqui o problema central é o da restrição externa, em que é necessário aumentar
simultaneamente a produção, as
exportações e a ressubstituição de
importações.
Não se trata, portanto, de voltar
ao passado, mas, pelo contrário,
de avançar com um rumo diferente e estruturalmente mais
equilibrado. Essa nova transição
democrática requer a ruptura
com o padrão patrimonialista de
gestão estatal e com a submissão
da acumulação interna à lógica
do capital financeiro internacional. Não bastam apenas declarações de inversão de prioridades e
"falsos consensos" sobre a necessidade de retomada do crescimento. Exige sobretudo a ruptura do
pacto das forças conservadoras
que vêm governando este país e
deturpando sistematicamente a
orientação social e o interesse nacional de nossa transição democrática inicial.
Maria da Conceição Tavares, 70, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail -
mctavares@cdsid.com.br
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