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LUÍS NASSIF
O violão brasileiro de Dilermando
Na parede da sala da casa
do meu tio Leonardo Mesquita havia uma foto autografada de Dilermando Reis. O retrato testemunhou as mudanças
por que nossas famílias passaram em Poços de Caldas. Saiu
da casa da rua Rio de Janeiro,
vizinha à nossa, mudou-se para
uma casa da rua lateral e ficava
observando rodadas musicais
que meu tio fazia com amigos e,
depois, com filhos e sobrinhos.
Tio Léo havia sido colega de
Dilermando Reis nos anos 30,
quando o cego Levino Conceição -grande e desconhecido
pioneiro do choro- passou por
Guaratinguetá, conheceu o rapaz que tocava violão e o trouxe
consigo para o Rio de Janeiro.
Junto com João Pernambuco,
Levino possuía uma escola de
violão -na rua do Catete, se
me lembro bem das histórias do
tio. O jovem Leonardo Mesquita
começou a tomar aulas com Levino, que, em seguida, o encaminhou para Dilermando, da
mesma idade do tio, mas já explodindo no Rio de Janeiro.
Dilermando nasceu em 1916,
em Guaratinguetá, e morreu em
1977, no Rio de Janeiro. Dizer o
que representou para o violão
brasileiro nos anos 40 a 60 não é
muito necessário, porque toda a
atual geração de violonistas foi
beber em suas águas.
Curiosamente, Dilermando
era mal visto pela elite do choro
carioca -aquela que se formou
a partir dos Turunas da Mauricéia e, depois, gravitou em torno
do Regional do Canhoto e do
Época de Ouro. Dizia-se que ele
se perdia no ritmo, que não sabia acompanhar -o que meu
tio Léo confirmava. Dizia-se
mais, que ele se apoiara a vida
inteira em Meira -mestre de
Baden Powell, entre outros, e
que era o segundo violão no
acompanhamento a Dilermando- sem nem sequer dar crédito nas faixas. O que era verdade,
com os devidos descontos: naquele período, não se tinha por
hábito fornecer a ficha técnica
das gravações.
Dizia-se mais: que o verdadeiro talento era Meira, não Dilermando, e aí a crítica perdia o eixo. Dilermando foi extremamente popular, especialmente
depois que o presidente JK, dentro do seu marketing extraordinário, fez questão de ter aulas
com ele. Mais que popular, no
entanto, Dilermando foi mestre
absoluto do violão brasileiro.
Certo, não tinha a flexibilidade
dos chorões clássicos. Sua formação foi de violão clássico, da
escola européia, mais perto da
fronteira do erudito e menos do
regional. Mas a pegada de sua
mão esquerda era da mesma estirpe trazida por João Pernambuco, aprimorada por ele, e que
espanhol nenhum conseguiu ter
até hoje, apesar do alto nível da
sua escola.
Em pouco tempo, o repertório
de Dilermando se consolidou
como o mais tocado por todos os
clubes e grupos de violão que se
multiplicam por este nosso país.
Não apenas suas composições,
mas suas interpretações de clássicos como "Marcha dos Marinheiros" e "Abismo de Rosas",
de Américo "Canhoto" Jacomino, "Sons dos Carrilhões", de
João Pernambuco, ou uma linda de Waldemar Henrique, para quem Dilermando fez o arranjo definitivo.
Mas foram os choros e valsas
de Dilermando que aqueceram
e continuam aquecendo corações de várias gerações. Não há
brasileiro vivo ou morto que
não se comova com suas músicas. "Magoado" (no qual o segundo violão excepcional é de
Meira) tornou-se um clássico
insuperável do violão, talvez o
choro mais executado da história do violão brasileiro. Outros
choros, como "Doutor Sabe Tudo", "Tempo de Criança", "Xodó da Baiana", valsas como
"Noite de Lua", "Se Ela Perguntar", "Uma Valsa e Dois Amores" tornaram-se clássicos no
momento em que foram lançadas. Algumas das composições
-especialmente "Se Ela Perguntar"- foram inspiradas diretamente em Levino, que, por
sua vez, foi uma das fontes de
inspiração de Villa-Lobos.
No Rio, mesmo sendo olhado
de lado pelos chorões clássicos,
Dilermando tornou-se não apenas uma estrela, mas um grande mobilizador do violão brasileiro. Pelas várias formações de
sua "Orquestra de Violões Dilermando Reis" passaram dezenas
de violonistas que, depois, foram espalhar sua arte por gerações de alunos, como Nicanor
Teixeira, Chico Sá, Molina, Hilton Ramos, Waldir León, Simplício, Oswaldo Mendes, Deoclécio Melin e Evilásio Maciel.
A reconciliação com a elite do
choro deu-se recentemente,
quando o grande Raphael Rabello, a maior esperança do choro, ex-aluno do Meira, gravou
um CD sobre Dilermando, para
o qual escrevi a contracapa. Foi
o último trabalho de Raphael,
irregular, refletindo o profundo
drama que o acompanhou até a
morte, pouco tempo depois, mas
a homenagem final da nossa
maior esperança de violão ao
mestre maior.
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail - lnassif@uol.com.br
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