|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BATALHA DE DOHA
Estudo do Banco Mundial prevê que fim de barreiras comerciais tiraria 320 milhões de pessoas da pobreza
Reunião da OMC tenta reativar comércio
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA
Bem perto do novo inimigo (o
terrorismo e a guerra), mas mais
longe do antigo adversário (o movimento antiglobalização), a Organização Mundial do Comércio
tenta, a partir de quinta-feira, devolver o mundo ao ritmo dos negócios como de costume.
Será na 4ª Conferência Ministerial, instância suprema dessa instituição de 142 países que regula o
comércio planetário, marcada para o Qatar, a apenas 1.600 quilômetros do Afeganistão, suposto
QG do terrorismo e alvo de ataques norte-americanos.
O novo inimigo é tão poderoso
que, até o último momento, vai-se
duvidar de que o Qatar possa de
fato abrigar a conferência. Na sexta-feira, por exemplo, o diretor-geral da organização, Mike Moore, passou mais tempo respondendo perguntas sobre segurança
do que sobre comércio.
E teve que jurar, uma e outra
vez: "Eu vou ao Qatar".
Como o Qatar exige visto de entrada para cidadãos de todos os
países, menos os do Golfo Pérsico, e como sua capacidade hoteleira é limitada, o encontro da
OMC corre menos risco, ou até
risco zero, de ser sitiado pelos manifestantes antiglobalização, ao
contrário do que ocorreu há dois
anos em Seattle (EUA).
Seattle foi sede da 3ª Conferência Ministerial da OMC, que naufragou estrepitosamente, em
meio ao que seria o primeiro
grande espetáculo de protestos
contra a globalização, e principalmente em meio a divergências entre os delegados dos 142 países.
Tanto em Seattle como agora
em Doha, a capital do Qatar, o objetivo é lançar uma nova e ainda
mais abrangente rodada de negociações comerciais.
O fracasso de 1999 torna imperativo evitar um novo colapso,
ainda mais agora que as principais economias do planeta emitem todos os sinais de forte desaceleração, até de recessão. "Acho
que o lançamento de uma nova
rodada provocaria uma resposta
positiva nos mercados financeiros", diz, por exemplo, Robert
Zoellick, chefe do USTr (United
States Trade Representative, uma
espécie de Ministério do Comércio Exterior norte-americano).
Nem é tanto o ganho que se tem
em vista, mas o prejuízo se a rodada não acontecer, como acrescenta Zoellick: "Precisamos evitar
uma resposta negativa dos mercados financeiros, como ocorreria
se o encontro terminar em divergências como o anterior".
Crescimento sem barreiras
Para adoçar a boca dos participantes, especialmente os ressabiados países em desenvolvimento, o Banco Mundial divulgou na
quarta-feira um estudo que diz
que a renda mundial, se abolidas
as barreiras comerciais, cresceria
US$ 2,8 trilhões até 2015 (o que dá
mais ou menos um terço da economia dos EUA) e 320 milhões de
pessoas sairiam da pobreza.
O problema é que números semelhantes foram plantados após
o encerramento da rodada anterior (Rodada Uruguai, finalizada
em 94) e, na prática, não foi o que
se viu. Basta citar as dificuldades
externas do Brasil para mostrar
que a liberalização do comércio
não é necessariamente o paraíso
na primeira curva da esquina.
O Banco Mundial, aliás, alerta
para o fato de que suas previsões
cor-de-rosa dependem não apenas da liberalização comercial
mas das reformas que tradicionalmente são recomendadas aos
países em desenvolvimento.
Para o Brasil, o que está em jogo
na reunião de Doha é, em primeiro lugar, abrir o mercado agrícola
dos países ricos e evitar que exportações subsidiadas continuem
barrando o acesso da produção
brasileira a terceiros mercados.
O ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes, já
chegou a calcular para a Folha em
US$ 6 bilhões o acréscimo em exportações do agronegócio se houver uma liberalização agrícola,
uma das grandes batalhas de Doha (veja quadro ao lado).
Embraer e Bombardier
Mas há mais em jogo que comércio. O governo brasileiro encara a conferência do Qatar como
uma chance de rever ou flexibilizar regras estabelecidas na Rodada Uruguai e que supostamente
prejudicam o país, como se descobriu tardiamente.
Um dos exemplos é o acordo de
Trips (leia texto abaixo). O outro
são as regras para subsídios.
A disputa entre a brasileira Embraer e a canadense Bombardier
demonstrou que o Brasil teve que,
sucessivamente, adaptar seu financiamento à exportação (no
caso, de aviões) à regras da OMC
que seguiam padrões impostos
pelos países desenvolvidos.
A rediscussão das regras agora
abre a porta para "uma certa flexibilidade para políticas de desenvolvimento nos países emergentes", como diz Celso Amorim, o
embaixador brasileiro nos organismos internacionais estabelecidos em Genebra (caso da OMC).
Ao contrário de Seattle, em que
as divergências foram estimuladas por um rascunho de declaração final de 32 páginas, impossível de ser destrinchado em cinco
dias de negociação, o papel pronto para Doha tem só 11 páginas.
Não agrada a ninguém, mas tampouco foi considerado inviável ou
inaceitável por país nenhum.
A conferência será, então, um
sucesso? Só os cinco dias da batalha de Doha responderão. Afinal,
tudo "depende do que se considera sucesso", como diz Mike Moore, o diretor-geral da OMC.
Texto Anterior: Luís Nassif: O violão brasileiro de Dilermando Próximo Texto: Eleição faz escala no Qatar, com guerra de patentes Índice
|