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OPINIÃO ECONÔMICA
Exportar não basta
RUBENS RICUPERO
Embora o aumento significativo das exportações seja condição indispensável para o Brasil
superar o estrangulamento externo, não é por si suficiente para assegurar o verdadeiro desenvolvimento. Ao contrário de crença generalizada, a expansão das exportações nem sempre acarreta o
crescimento acelerado da economia ou sua mudança qualitativa.
Pode acontecer que um país faça
crescer enormemente suas vendas
externas e, em vez de melhorar,
acabe piorando em valor adicionado dos produtos exportados.
Essas são algumas conclusões
do estudo que a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento)
vem de divulgar (www.unctad.
org/en/pub/ps1tdr02.en.htm).
Nele se verifica, por exemplo, que
nos últimos anos os países industrializados reduziram suas exportações de manufaturas de 80%
para 70% do total mundial, mas
melhoraram, ao mesmo tempo, o
valor agregado e a renda que extraem dessas vendas. Enquanto
isso, os países em desenvolvimento aumentaram até cerca de 30%
sua participação como fornecedores de manufaturados, mas, salvo
poucas exceções, não expandiram
de modo expressivo o valor adicionado das exportações.
A explicação dessa disparidade
se encontra nas cadeias globalizadas de produção, pelas quais as
empresas transnacionais transferem para regiões de mão-de-obra
barata as operações de montagem de produtos complexos cujos
insumos de alto conteúdo tecnológico e maior preço continuam a
ser importados das nações ricas.
Os locais onde se faz a montagem
-México, Malásia, Indonésia,
China- entram sobretudo com o
trabalho barato, e, em certos casos, com recursos naturais ou
componentes mais simples. O recheio tecnológico, contudo, tem
de vir da matriz ou dos países
avançados detentores da tecnologia. Crescem as exportações, mas
expandem-se quase ao mesmo
ritmo as importações das peças de
maior preço. É claro que sempre
se ganha em geração de empregos
e renda de exportação, mas é pouca coisa o que se acrescenta em
valor aos componentes importados. É como os comerciantes que
se queixam de vender muito volume, mas de ter pouco lucro.
A Unctad retoma, nesse relatório, a tradição de publicar a lista
dos produtos de maior dinamismo no comércio mundial, aqueles
cujo intercâmbio às vezes aumenta a taxas até três vezes mais aceleradas do que a média. Verdadeiros filés mignons do comércio,
esses itens se beneficiam de demanda em contínua expansão
nos mercados consumidores e oferecem maiores possibilidades de
ganhos de produtividade. Dessa
vez, são examinados 225 produtos, dos quais um terço -a maioria primários mas também alguns tipos de maquinaria- está
em declínio. As mercadorias mais
dinâmicas formam um conjunto
seleto constituído por quatro categorias principais: 1ª) produtos
elétricos e eletrônicos (computadores, componentes, equipamentos de escritório, material de telecomunicação); 2ª) artigos sofisticados que exigem alto investimento em pesquisa e desenvolvimento (material médico-hospitalar, por exemplo); 3ª) tecidos e
confecções, cuja fabricação é intensiva em mão-de-obra; 4ª) algumas poucas commodities, como seda e bebidas não-alcoólicas.
Não é preciso dizer que, nesse
conjunto, o Brasil brilha pela ausência, comparecendo, em compensação, com forte presença entre os que se encontram em declínio, estagnados ou apresentam
baixo crescimento e excessiva
oferta de competidores. Aliás, a
América do Sul só exporta 2 entre
os 20 produtos mais dinâmicos
(bebidas não-alcoólicas e artigos
de malharia). Em compensação,
os seis primeiros produtos de exportação do continente são todos
artigos primários, agrícolas ou
minerais. Dentre as 20 exportações sul-americanas de crescimento mais apreciável, nada menos do que nove são produtos primários. É o retrato típico do subdesenvolvimento, incapaz de se libertar da dependência quase exclusiva de recursos naturais ou resultantes de mão-de-obra barata.
Alguns dos exportadores de
itens dinâmicos enfrentam dificuldades para superar o estágio
de linha de montagem (as maquiladoras mexicanas, por exemplo)
e passar ao patamar superior em
matéria de incorporação de
maior conteúdo local, por meio
de tecnologia própria e do estabelecimento de vínculos com supridores locais. Os raros países que
conseguiram aumentar de forma
rápida a exportação de produtos
complexos, melhorando continuamente o índice de valor agregado, são ou os baseados predominantemente em empresas e
tecnologia nacionais (Coréia do
Sul, Taiwan) ou os que souberam
negociar de maneira vantajosa
com as transnacionais (Cingapura). As únicas economias que se
mostraram capazes de diminuir a
brecha que as separava das nações ricas, convergindo, como dizem os economistas, para níveis
de renda per capita próximos dos
dos países adiantados e às vezes
até ultrapassando alguns desses
últimos, foram precisamente os
integrantes desse pequeno grupo
de países asiáticos. Em outras palavras, são eles, até agora, os únicos e exclusivos exemplos de verdadeiro desenvolvimento.
A lição para o Brasil é evidente.
Temos de explorar ao máximo as
possibilidades de atrair investimentos estrangeiros dispostos a
ajudar-nos a aumentar as exportações. Seria, porém, ilusório imaginar que isso nos aportará a autonomia exportadora de que necessitamos. Para tanto, é indispensável construir uma rede de
empresas nacionais fortes, competentes para desenvolver tecnologia própria e capazes de exportar sozinhas ou de estabelecer,
com esse fim, vínculos como fornecedoras de insumos brasileiros
aos produtos das transnacionais.
Isto é, precisamos não só aumentar a quantidade (como em café
ou soja) mas a qualidade das exportações.
Rubens Ricupero, 65, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
E-mail - rubensricupero@hotmail.com
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