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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
EUA declaram nova guerra protecionista global
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Os EUA acabam de declarar
uma guerra econômica ao resto
do mundo, adotando uma nova
lei de subsídios agrícolas que faz
os protecionistas europeus e japoneses corar de vergonha.
A nova Lei Agrícola (mais um
exemplo de política setorial intervencionista, do tipo que os
tecnocratas de Washington criticam em países de política econômica "populista"), a "Farm
Bill", eleva os subsídios agrícolas
em 70%.
Aprovada na última quinta-feira no Congresso dos EUA, a
lei destina US$ 180 bilhões em
subsídios agrícolas nos próximos dez anos. Entre outros efeitos, a lei castiga os países em desenvolvimento, como o Brasil,
que enfrentarão mais dificuldades para gerar dólares a partir de
suas exportações agrícolas. É
mais um obstáculo, de alto custo
e longo prazo, para a estabilidade da taxa de câmbio no Brasil.
Ocorre que o estoque de dívidas e investimentos estrangeiros
feitos nos últimos anos no Brasil
criou um cenário de pressões de
remessa de juros, lucros e dividendos ao exterior.
Essas dívidas e investimentos
tornam-se portanto fontes mais
arriscadas de valor para os seus
detentores no exterior (muitos
deles, aliás, brasileiros mesmo).
Se o país não exporta o suficiente e ainda por cima enfrenta
uma onda protecionista em escala global, o grau de confiança
dos mercados em sua moeda e
em seus títulos tende a cair.
Na semana passada, alguns
bancos estrangeiros fizeram
alertas (misturando política aos
riscos econômicos).
Num debate pela TV, ouvi um
comentarista afirmar perplexo
que não entendia como um desses bancos, que se sabe interessado em investir no país nos
próximos anos, podia ter publicado visão pessimista do país.
O paradoxo entre investir no
país e apostar contra o país não é
tão misterioso assim. Ao contrário, se o real se desvaloriza ainda
mais, o comprador estrangeiro
pode se beneficiar, pois a compra da empresa sai cada vez
mais barata, em dólares.
Levada ao extremo, essa lógica
especulativa provoca a destruição da Argentina. Depois de
provocarem a crise cambial retirando capitais do país, os investidores preferem um sistema em
que a desvalorização não tem limites. Afinal, quanto mais destruição, mais poder se concentra
nas mãos dos que saíram com
dólares a tempo.
No cenário mundial, o crescimento do comércio é irrisório.
Após um ano de queda de 1%
em volume e 4% em valor, a Organização Mundial do Comércio prevê alta de 1% em 2002.
Para países endividados, ou
seja, em desenvolvimento, cristaliza-se uma situação em que a
sobrevivência econômica e política depende da política de crédito das grandes potências, sobretudo dos Estados Unidos.
Ao colocar lenha na fogueira
dos conflitos protecionistas,
Bush indiretamente concentra
ainda mais poder tanto nos organismos financeiros multilaterais sob seu controle, como o
Banco Mundial e o FMI, quanto
nos bancos privados internacionais que operam em escala global, em particular os norte-americanos.
O que parece improvável é que
um sistema assim tensionado
consiga ser estável. Afinal, a pretexto de defender o interesse nacional dos EUA (voltar a crescer
sendo financiado pelo resto do
mundo), o governo Bush cria
desequilíbrios ainda maiores no
sistema internacional.
O liberalismo conservador assume assim sua vocação para o
tribalismo fundamentalista.
Não é à toa que eleitores europeus se jogam nos braços do irracionalismo xenófobo e fascista. É uma nova guerra econômica mundial.
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