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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Impostos e eleições
ALOIZIO MERCADANTE
Derrama. Brasileirismo. No século
18, na região das minas, cobrança dos
quintos em atraso ou de imposto extraordinário.
(Dicionário "Aurélio")
A defesa do princípio da
progressividade feita por Lula, ilustrada com um exemplo de
modificação da tabela do Imposto de Renda, provocou reações
veementes de algumas autoridades da área econômica do governo. A alegação: Lula estaria propondo uma quase-heresia, um
aumento de impostos, e, pior, na
contramão das tendências "modernas", ou seja, de redução das
alíquotas incidentes sobre os níveis de renda mais altos, praticadas nos países desenvolvidos.
Deixemos de lado a veemência
que estranhamente esteve ausente em outros episódios, como o da
interferência desestabilizadora
dos bancos de investimento norte-americanos nos assuntos internos do país, justificada sem muita
sutileza pelo ministro da Fazenda, a quem precisamente caberia
repudiá-la com a firmeza e a dignidade que se espera de um funcionário graduado do Estado
brasileiro em situações desse tipo.
Deixemos também de lado as críticas superficiais de alguns pré-candidatos à Presidência da República, que preferem o discurso
demagógico à discussão séria e
responsável dos problemas que o
país enfrenta.
Qual é o núcleo da questão tributária no Brasil, em torno do
qual gravita a argumentação de
Lula? Dois aspectos são críticos
nessa esfera.
O primeiro é o descasamento
entre a carga tributária e a contrapartida de serviços que recebe
o contribuinte. Nesse aspecto, o
governo Fernando Henrique Cardoso tem tido um desempenho
"exemplar": aumentou extraordinariamente os impostos e diminuiu os investimentos públicos e o
gasto social por habitante.
No período de 1995 a 2001, a
carga tributária bruta -um indicador global que expressa a relação entre a soma de todos os
impostos, taxas e contribuições
arrecadados pela União, pelos Estados e pelos municípios e o Produto Interno Bruto- passou de
28,6% para 33,2%. Em valores
correntes, essas porcentagens
equivalem a R$ 184,8 bilhões em
1995 e a R$ 392,6 bilhões em 2001,
um aumento de 112,4%, muito
superior à taxa de inflação acumulada no período que, medida
pelo INPC, foi de aproximadamente 78%. O aumento real da
arrecadação bruta -da ordem
de 20%- talvez explique por que
a reforma tributária nunca foi
efetivamente priorizada pelo
atual governo.
Essa verdadeira "derrama"
produzida pelo governo Fernando Henrique Cardoso trouxe escassos benefícios para a população. Basta ver a situação da infra-estrutura, da qual a crise energética foi só um exemplo, do emprego e dos serviços básicos, como segurança, saúde e educação, as
principais vítimas do ajuste fiscal
permanente a que foi submetido
o país como decorrência de uma
política econômica generosa com
os grandes grupos financeiros e
com o capital estrangeiro, mas extremamente dura com as necessidades sociais da maioria da população.
Em realidade, por meio de diversas medidas isoladas, o governo fez a "reforma tributária" que
lhe interessava. A CPMF é um
exemplo simbólico desse processo:
instituída provisoriamente em
fins de 1996 com uma alíquota de
0,2% em substituição ao antigo
IPMF, que vigorou de 1993 a 1994,
acabou se transformando em um
imposto permanente, além de ter
sua alíquota elevada para 0,38%.
A arrecadação propiciada pela
CPMF em 2001 foi, em termos
reais, 63,44% mais alta do que
aquela obtida em 1994 pelo IPMF.
No mesmo sentido, opera a não-correção, durante seis anos, dos
valores da tabela de incidência do
Imposto de Renda das Pessoas Físicas e o aumento de algumas
contribuições sociais, que ampliaram a arrecadação e reconcentraram os recursos fiscais na União.
Para quê? Para pagar a conta da
incompetência do governo e da
inconsistência de sua política macroeconômica.
O segundo aspecto crítico, agravado na gestão FHC, é o caráter
regressivo do sistema tributário
brasileiro. Nossa estrutura tributária está fortemente assentada
sobre as transações de bens e serviços, os chamados impostos indiretos, que todos, ricos e pobres,
pagam na mesma proporção em
relação ao valor do bem ou serviço adquirido. A regressividade
desse tipo de taxação é evidente
em um estudo recente do Ipea: enquanto as famílias que têm uma
renda de até dois salários mínimos mensais gastam 26,48% da
sua renda com impostos indiretos, essa proporção cai para
7,34% no caso das famílias cuja
renda é superior a 30 salários mínimos mensais.
A tributação dos alimentos, devido ao maior peso dos gastos
com esse item no orçamento dos
grupos de menores rendas, também tem um caráter claramente
regressivo. Os impostos sobre os
alimentos representam 9,81% da
renda mensal disponível das famílias que ganham até dois salários mínimos, porcentagem que
cai para 1,48% no grupo de rendas mais altas. Essa regressividade se projeta também no plano regional. Por exemplo, enquanto
em São Paulo os impostos sobre os
alimentos representam 8,34% da
renda dos que ganham até dois
salários mínimos mensais, em
Fortaleza, essa porcentagem se
eleva a 13,34%.
A regressividade do sistema tributário fica ainda mais patente
quando se cruzam os dados de
renda com os de carga tributária
total, que inclui os impostos diretos e indiretos. O rendimento médio das famílias com renda superior a 30 salários mínimos é 37 vezes maior do que o rendimento
médio das famílias cuja renda é
inferior a dois salários mínimos.
No entanto, a carga tributária do
primeiro grupo -o mais rico- é
de 18%, enquanto a do grupo
mais pobre é de 28%.
É nesse contexto que se inserem
as declarações de Lula. Não se
trata de aumentar impostos, mas
de redistribuir de maneira mais
equitativa seu peso sobre os diversos setores sociais, desonerando os
alimentos e produtos básicos de
consumo popular, estimulando
seletivamente a produção e fazendo pagar mais os que ganham
mais, e não, como fez o atual governo, os que ganham menos. O
Brasil não necessita aumentar
mais a carga tributária para se
desenvolver. Necessita, sim, é de
justiça social e fiscal. E isso é o que
propõe Lula.
Aloizio Mercadante, 47, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -dep.mercadante@camara.gov.br
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