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LUÍS NASSIF
Primaveras e namoradas
A bossa nova teve um Olimpo restrito, seguido de uma
quantidade razoável de semideuses. E esse Olimpo era constituído pelos letristas Vinicius de
Moraes e Ronaldo Bôscoli, por
João Gilberto, o intérprete que
define a batida, e por três compositores fundamentais: Tom Jobim, Carlos Lyra e Roberto Menescal. Se se tomar o período áureo, de meados dos anos 50 a final dos anos 60, mesmo que não
houvesse Tom Jobim, teria havido Carlos Lyra. Na bossa nova, a
produção de ambos se equivale
no refinamento, na qualidade
harmônica, na mútua influência
exercida e no fato de, com Baden
Powell, terem constituído a Santíssima Trindade de Vinicius, os
compositores a quem o mestre
dedicou suas letras mais brilhantes.
Depois de terminado o movimento, Jobim continuou na sua
trilha de maior melodista do século. E Lyra enveredou por todos
os movimentos culturais do período, do Tablado, do Centro Popular de Cultura, da UNE, ao
Teatro de Arena, passando por
peças infantis premiadas.
Lyra nasceu em 1936 no Rio, filho de um oficial da Marinha
que morreu quando ele tinha 13
anos. Ganhou um violão da
mãe, em um período em que ficou preso em casa por conta de
uma perna quebrada. Aprendeu
nos métodos de Paraguaçu e de
Patrício Teixeira, pobrezinhos
como eles só. Depois, aprimorou-se um pouco com Garoto, de
quem foi aluno.
Assim como todos os grandes
da bossa nova, é filho direto do
samba-canção, em primeiro plano, e do choro em segundo plano. Em uma das minhas colunas, falei da importância e do refinamento do samba-canção
pré-bossa nova, erroneamente
tratado como música brega.
Lyra considera a bossa nova
uma continuação do samba-canção, com uma diferença: a
batida de João Gilberto. A primeira música de Lyra, composta
aos 18 anos, já foi um clássico do
samba-canção, o "Quando Chegares" ("Quando chegares aqui/
podes entrar sem bater/ ligue a
vitrola baixinho/ espera o anoitecer"). Pouco tempo depois Geraldo Vandré interpretou a música "Menina" ("O que seu pai
vai dizer/ menina eu não presto
não para você/ eu sou coisa
ruim/ será que você quer/ que falem de você também/ do jeito
que falam de mim") de Lyra,
com a qual venceu o Primeiro
Festival Internacional da Canção da TV Rio. Em 1955 a música foi gravada por Sylvia Telles.
No ano seguinte, Lyra compôs
um de seus maiores clássicos, o
"Maria Ninguém" ("Maria Ninguém/ é Maria e é Maria meu
bem"), autêntico samba-choro,
composto antes do lançamento
oficial da bossa nova. Anos depois foi tocada na Casa Branca
por Paul Winter.
Passou por inúmeros parceiros, compondo clássicos da MPB.
Com Vandré compôs "Quem
Quiser encontrar o Amor" e
"Aruanda". Com Chico de Assis,
o "Subdesenvolvido". Com Ronaldo Bôscoli compôs uma fieira, que passa por "Lobo Bobo",
"Canção que Morre no Ar", "Se é
Tarde me Perdoa", que aqueceu
tantas serenatas em São João da
Boa Vista. Mas foi com Vinicius
que compôs a parte mais brilhante da sua obra. "Primavera", "Marcha da Quarta-Feira
de Cinzas", "Coisa Mais Linda",
"Você e Eu", "Samba do Carioca", "Maria Moita", "Minha Namorada", "Pau-de-Arara". Uma
de suas principais composições,
"Primavera" ("o meu amor sozinho/ é assim como o jardim sem
flor"), com Vinicius, era originalmente um choro. No Centro
Popular de Cultura do Rio, criado em 1961 por Oduvaldo Vianna Filho, ao lado de Ferreira Gullar, Leon Hirschman, Lyra participou de um dos momentos
mais ricos da cultura popular
brasileira. O CPC ajudou a redescobrir Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Ketty, a lançar o
Quarteto em Cy e o Tamba Trio.
Em 1965 seguiu para os EUA, tocando com Stan Getz e Paul
Winter. Com Jobim e Gilberto,
ajudou a definir uma nova face
para o Brasil: rapazes bonitos,
modernos e musicais, levando
para o mundo a imagem de um
país que se modernizava.
Em 1975 enveredou pela astrologia. Recentemente apareceu
em alguns shows, mas não se ouvem mais novos sons. De minha
parte, não há noitada ou sarau
em casa que não passe por
"Marcha da Quarta-Feira de
Cinzas", "Maria Ninguém",
"Primavera", tratadas com mimo, como filhas eternamente
modernas da MPB.
E-mail -lnassif@uol.com.br
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