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COMÉRCIO EXTERIOR
Crise no vizinho atrasa negociações de livre comércio entre blocos; demora frusta empresários europeus
Argentina emperra acordo Mercosul-Europa
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A crise argentina já fez mais
uma vítima, fora das fronteiras do
país: acabou sendo a principal
causa para que não haja avanços
significativos na negociação entre
o Mercosul e a UE (União Européia) para a constituição de uma
área de livre comércio entre os
dois blocos.
A expectativa de progresso nas
negociações estava dada pelo fato
de que, no dia 17, haverá em Madri uma reunião de cúpula entre
os 15 países da UE e os quatro do
Mercosul. Cúpulas, em geral, funcionam como estímulo para
avanços em negociações comerciais. Não será assim.
"Não vai haver um choque de liberalização", chega até a exagerar
o embaixador José Alfredo Graça
Lima, prestes a assumir oficialmente a representação brasileira
na UE, em Bruxelas.
"Os dois lados concordaram
que o momento não era o mais
propício para uma revisão das
ofertas", diz o embaixador Clodoaldo Hugueney, antecessor de
Graça Lima e, agora, uma espécie
de negociador-chefe do governo
para assuntos comerciais.
Hugueney está se referindo às
ofertas de liberalização comercial
que as duas partes puseram sobre
a mesa no ano passado. Ambas
são consideradas modestíssimas,
em especial a do Mercosul.
Aí é que começa a entrar a crise
argentina. Os argentinos já estavam em crise no momento em
que deveria ser apresentada a
proposta do Mercosul, em outubro, depois que os europeus lançaram a sua em julho.
"Desde outubro, é difícil atrair a
atenção deles [os argentinos" para
esse tema", depõe Sandra Rios,
assessora para assuntos internacionais da CNI (Confederação
Nacional da Indústria), com a experiência de quem ajuda a montar os encontros entre empresários dos blocos, o Fórum Empresarial Mercosul-União Européia.
De outubro para cá, a crise argentina só fez agravar-se e dispersou de uma vez a atenção tanto do
governo como dos empresários
do país vizinho.
"Está tudo parado por causa da
Argentina", chega a dizer o empresário Michel Alaby, vice-presidente executivo da Associação de
Empresários Brasileiros para a Integração com o Mercosul.
Alaby refere-se não só às negociações com a Europa, mas também com Chile, México e África
do Sul.
O conjunto do empresariado
expressa inquietação parecida.
Diz o texto preparado pelos empresários europeus para o encontro de Madri com seus colegas do
Mercosul, nos dias 15 e 16: "A Argentina está experimentando
uma significativa crise econômica. O fórum empresarial está muito preocupado com suas consequências".
Tão preocupado que os executivos europeus sugerem à Comissão Européia, o braço executivo
do conglomerado de 15 países,
que "considere a aceleração da
abertura de seus mercados para
produtos argentinos".
Cavallo de fora
No âmbito diplomático, no entanto, a visão é menos apocalíptica. Clodoaldo Hugueney, por
exemplo, consegue ver até progressos na Argentina, no que se
refere ao Mercosul. "É claro que a
crise atrapalhou. Mas, talvez, a
gestão Cavallo atrapalhasse mais,
com os ataques sucessivos ao Brasil, do que a situação atual, em que
a realidade é mais difícil, mas há
um claro compromisso com o
Mercosul", diz o diplomata.
Reforça Stefano Gatto, responsável pelo comércio na delegação
da UE em Brasília. "A crise argentina condicionou os tempos da
negociação, mas as ambições não
mudaram. O Mercosul deixou de
ser fundamental para a UE? Com
certeza, não. A crise argentina não
é um prejuízo nem definitivo nem
significativo", afirma.
A frase de Gatto dá a pista para o
que haverá de mais importante na
cúpula de Madri: a reafirmação
do compromisso político das partes de constituírem uma zona de
livre comércio e a exaltação dos
"consideráveis progressos" rumo
a um entendimento.
Não é exatamente a visão que
tem o empresariado europeu. O
documento por eles preparado
queixa-se: "Em dezembro de
1995, o objetivo de criar uma área
de livre comércio foi acordado pelas duas regiões; hoje, mais de seis
anos depois, a criação de uma
área de livre comércio entre as
duas partes não está ainda perto
de ser alcançada".
Em todo o caso, os diplomatas
vão negociar, antes de que os presidentes e primeiros-ministros se
encontrem, no dia 17, dois temas
políticos principais:
1) Fixar uma data para a conclusão das negociações. O Mercosul
insiste nisso e cita o "paralelismo"
com as datas da Área de Livre Comércio das Américas e da rodada
de negociações comerciais definida em Doha (ambas 2005). Os europeus hesitam, porque temem
que a data anunciada não seja
cumprida, enfraquecendo a negociação.
2) Convocar uma reunião ministerial, provavelmente no Brasil, para "concluir a fase inicial da
negociação e dar instruções para a
fase seguinte", como explica Clodoaldo Hugueney. Mas só haverá
a ministerial se for possível dar
substância a ela, além de enviar o
sinal político e o sentido de urgência que empresários cobram.
Os europeus não só se dizem
preocupados com "o pouco progresso alcançado até agora", como manifestam o temor de que a
negociação possa perder "o ímpeto e a prioridade política".
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