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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Investimento e financiamento domésticos
LUCIANO COUTINHO
A sustentação do crescimento não se materializará
sem a criação de um sistema de financiamento baseado em crédito
e poupança domésticos. É consenso que a economia brasileira demanda com urgência um acréscimo de investimentos (especialmente em logística e em energia)
equivalentes a cinco pontos percentuais do PIB (Produto Interno
Bruto) por ano. Como, então, financiar US$ 27 bilhões adicionais
por ano em inversões fixas?
É inelutável que esse financiamento provenha de três fontes, a
saber: 1) da expansão do crédito
bancário privado; 2) da ampliação da oferta de poupanças domésticas; e 3) do aumento dos investimentos diretos externos
(IDE). A imprescindibilidade da
expansão do financiamento doméstico (complementado pelo
fluxo do IDE) decorre das seguintes constatações: a) não é sensato,
nem viável, contar maciçamente
com empréstimos externos dada
a necessidade de reduzir os indicadores de dívida externa/PIB e
de dívida externa/exportações
para a queda segura e expressiva
nos próximos anos da taxa de risco-país, em direção ao status de
"investment grade"; b) também
não é possível contar com o aumento do endividamento público
interno diante da necessidade de
alongar significativamente o perfil temporal, reduzir a taxa Selic e
solidificar a confiança na gestão
da dívida pública; c) finalmente,
não é factível concentrar nas instituições financeiras federais (especialmente no BNDES) toda a
tarefa de financiar os novos investimentos.
Não será fácil expandir o financiamento de base doméstica. Desde logo, o sistema bancário se vê
contido por circunstâncias que
dificultam sobremodo a sua expansão. Vejamos. Depois de um
longo período de alta incerteza
econômica e jurídica, baixo crescimento e instabilidade macroeconômica, a razão crédito privado/PIB retraiu-se para cerca de
26%. A rápida expansão da dívida pública na segunda metade
dos anos 90, com juros reais elevadíssimos, absorveu parcela
crescente das operações ativas do
sistema. Simultaneamente, o governo subiu a carga tributária sobre a atividade financeira e, para
facilitar a rolagem da dívida pública, o Banco Central mantém os
depósitos compulsórios muito elevados (de 45% sobre os depósitos
à vista e de 15% sobre os depósitos
a prazo). Ademais, a oferta de
crédito de longo prazo está severamente limitada pela dificuldade de captar poupanças de longa
maturação, posto que os investidores brasileiros ficaram viciados
em ativos de renda fixa com prazos curtos, liquidez e juros altos.
A superação desse bloqueio ao
financiamento doméstico demanda um conjunto de reformas
institucionais e legais que criem
confiança e segurança nas operações de crédito, reduzam os
"spreads" bancários e viabilizem
a rápida expansão da capacidade
de financiar investimentos. O desenvolvimento de modalidades
de securitização através da vinculação de recebíveis e de outras garantias eficazes, bem como a
aprovação e a aplicação efetiva
da nova Lei de Falências, são passos urgentes. Aperfeiçoamentos
também são necessários para reduzir a incerteza dos processos legais e para expeditar seus procedimentos.
Além dessas reformas, uma
queda significativa dos "spreads"
de risco depende do aumento da
concorrência bancária através da
implantação de uma nova central
de informações cadastrais, positiva e com alta transparência, para
viabilizar uma drástica redução
da assimetria de informações. O
desenvolvimento concorrente do
mercado de capitais através da
expansão de fundos de recebíveis,
de debêntures e ações e de novos
instrumentos híbridos também
deve ser estimulado. Os incentivos
tributários à poupança de longo
prazo, recentemente anunciados
pelo ministro da Fazenda, são
passos positivos que devem ser
complementados por novas iniciativas.
A demonstração de que o crescimento da economia não será obstado por gargalos infra-estruturais torna urgente cimentar a
confiança no futuro, condição "sine qua non" para o alongamento
voluntário dos prazos de maturação dos ativos financeiros. Dada a
dificuldade de aprovação rápida
das PPPs (Parcerias Público-Privadas), e considerando as suas limitações, um esforço concentrado
deveria viabilizar operações estruturadas de "project finance"
dentro do atual marco legal, para
deslanchar grandes projetos de
investimento em infra-estruturas
logísticas e de energia.
A veloz implantação dessas reformas junto com o alongamento
da "duration" dos instrumentos
de poupança tornará possível a
expansão do crédito bancário ao
setor privado. Para tanto o Banco
Central e o governo precisarão,
"pari passu", reduzir os depósitos
compulsórios e suavizar a carga
tributária sobre a intermediação
financeira. O objetivo síntese é
ofertar crédito em escala suficiente e com taxas reais de juros mais
baixas e compatíveis com as taxas
de retorno das atividades produtivas. Essa é a agenda relevante,
jamais enfrentada, que soma os
interesses do setor produtivo e do
setor bancário em prol do anseio
nacional de retomada firme do
desenvolvimento.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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