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POLÊMICA
Enquanto a taxa de crescimento no Brasil é de quase 2% ao ano, nos Estados Unidos recuou 0,04% desde
1996
Com transgênico, cai produtividade dos EUA
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
A suposta vantagem econômica
da soja transgênica em relação à
convencional não resiste ao teste
das estatísticas oficiais. Desde
1996, quando essa cultura começou a se disseminar nos Estados
Unidos, a produtividade norte-americana evoluiu aos soluços,
com tendência declinante. Naquele país, a soja transgênica corresponde a 81% da produção total
do grão, e a produtividade recuou
0,04% ao ano, desde 1996.
Já a produtividade da soja brasileira, basicamente não-transgênica, cresceu a taxas de quase 2% ao
ano e, desde 2001, supera a americana. Segundo dados da FAO
(Food and Agricultures Organization), órgão da ONU (Organização das Nações Unidas), enquanto os produtores brasileiros colhiam 2,57 quilos por hectare, na
safra do ano passado, os americanos retiravam do solo 2,52 quilos
por hectare.
"A produtividade brasileira é
maior e a produção tem crescido
8,8% ao ano, desde 1996, enquanto nos EUA o crescimento anual é
de apenas 1,8%", diz Gerson Teixeira, engenheiro agrônomo com
mestrado em desenvolvimento
agrícola pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e doutor em economia pela Unicamp.
Na Argentina, que mais recentemente adotou a tecnologia
transgênica no cultivo da soja,
também se começa a perceber
perda de produtividade. Segundo
o USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), a produtividade da soja argentina, na safra
2002/2003, é igual à obtida na de
1997/1998, antes dos transgênicos.
Para o engenheiro agrônomo
Leonardo Melgarejo, doutor em
engenharia de produção pela
Universidade Federal de Santa
Catarina, "os problemas na Argentina e nos Estados Unidos estão surgindo com maior clareza
após o quinto ano de cultivo".
Melgarejo diz que estudos técnicos realizados pela American Society of Agronomy sugerem que
há ampliação de fungos nas raízes
da soja transgênica, tratada com o
defensivo glifosato (o princípio
ativo do herbicida Roundup
Ready, produzido pela Monsanto,
detentora da patente da soja
transgênica RR).
Esses fungos não estariam presentes na soja convencional tratada com outros herbicidas. Também se verificou redução da capacidade imunológica das plantas
tratadas com glifosato. As submetidas a esse estresse registraram
perdas de produtividade de até
25%, além de exigirem aumento
do uso de defensivos agrícolas.
Assim, os ganhos que o agricultor brasileiro poderia obter nos
primeiros anos de cultivo da soja
transgênica, com a redução de até
10,3% nos custos de produção,
tenderiam a ser engolidos com o
passar do tempo, devido à perda
de produtividade da lavoura e à
necessidade de novos defensivos.
Lucro maior?
Outro ponto das vantagens dos
transgênicos que os especialistas
questionam é a possibilidade de o
agricultor obter lucros mais gordos com o produto, devido à redução de custos de produção. "A
agricultura é um setor de concorrência perfeita, no qual as inovações tecnológicas, no longo prazo,
reduzem preços", alerta Vânia Di
Addario Guimarães, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos
Avançados em Economia Aplicada, da Esalq/USP).
Segundo Guimarães, como inicialmente há uma redução de custos de produção, o agricultor tenderia a migrar para a soja transgênica. "Com isso, aumentará a área
plantada e os preços cairão, reduzindo a rentabilidade do produtor
ao longo do tempo", afirma.
Para Teixeira, a liberação da soja transgênica é "um grande equívoco, do ponto de vista comercial". O Brasil, diz, tem um diferencial no mercado internacional,
por produzir a soja convencional.
Foi isso, de acordo com o agrônomo, que garantiu ao país um
crescimento das exportações de
2,9% ao ano, desde 1996, enquanto as exportações americanas do
produto encolhiam 4,2% anualmente, segundo dados da FAO.
Até dois meses atrás, Teixeira
era assessor técnico da bancada
do PT na Câmara dos Deputados,
mas afastou-se por discordar da
política agrícola do governo, segundo ele. Atualmente, é subsecretário de desenvolvimento da
pesca, na Secretaria da Pesca.
Como assessor técnico do PT
para a área agrícola, Teixeira participou da comitiva de técnicos e
parlamentares que visitou os EUA
e a África do Sul, em julho, a convite do governo americano. "A
grande indagação, após aquela
viagem, é por que os produtores
de soja americanos têm interesse
em que o Brasil adote a tecnologia
dos transgênicos", diz.
Na ocasião, relata Teixeira, o
presidente da ASA (Associação
Americana dos Produtores de Soja) "fez a apologia da soja RR". E
foi questionado por técnicos brasileiros. "Se o senhor fosse um
produtor de soja convencional no
Brasil, ganhando mercado, com
produtividade crescente, abriria
mão dessa vantagem para se igualar aos produtores de soja dos Estados Unidos e assim ser fulminado na sua competitividade em razão dos altos subsídios nesse
país?", perguntaram.
Não houve resposta do produtor americano, de resto desnecessária. "O próprio representante
da Casa Civil e um cientista da comitiva brasileira trataram de desqualificar os dados apresentados
sobre as vantagens da soja convencional", conta Teixeira.
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