|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Calçado nacional perde mercado para o chinês
DA REPORTAGEM LOCAL
A história dos brasileiros que
migraram para a China em busca
de trabalho é o lado humano do
processo econômico de perda de
competitividade e de mercado
dos sapatos de couro nacionais
para os asiáticos. "Quem ensinou
o chinês a fazer calçado feminino
para exportação foram os brasileiros", diz Arnaldo José Frizzo Filho, diretor-superintendente do
grupo Braspelco, um dos maiores
exportadores de couro do Brasil.
Segundo Frizzo, o país regrediu
nesse setor na última década: passou a exportar mais matéria-prima e menos produtos manufaturados, que têm maior valor agregado e custam mais. E um dos
destinos das exportações de matéria-prima é justamente a China.
Ou seja, além de fornecer especialistas no ramo, o Brasil vende o
couro para a fabricação de sapatos que depois vão competir no
exterior com os produzidos aqui.
"Estamos praticando a antipolítica industrial, transferindo insumo, tecnologia e treinamento para a China, que é nosso concorrente", observa Fábio Silveira, da
consultoria MB Associados.
Estudo realizado por Frizzo indica que, em 1985, o Brasil exportava 113,2 milhões de pares de sapatos para os EUA, o maior mercado mundial. No mesmo ano, a
China vendeu 20,8 milhões de pares aos norte-americanos. Cinco
anos depois, os chineses já exportavam mais que o dobro dos brasileiros. Em 2001, a diferença foi
de 94,9 milhões de pares do Brasil
e 1,1 bilhão de pares da China.
Segundo Frizzo, as vendas de
couro e produtos manufaturados
de couro pela China somam US$
11,5 bilhões enquanto as brasileiras estão em US$ 2,5 bilhões.
Além de diminuir o volume de
calçados, aumentou a quantidade
de couro não-manufaturado exportado pelo Brasil. Frizzo diz que
as exportações do setor já eram de
US$ 2,5 bilhões em 1993. A diferença é que, na época, as vendas
de couro representavam US$ 600
milhões do total. O restante era de
produtos acabados. Agora, as exportações de couro são de US$ 1
bilhão. "Regredimos na agregação de valor", sustenta Frizzo.
O gaúcho Celso Luiz Kiefer, 50,
acompanhou de perto a expansão
e a crise da indústria calçadista
brasileira. Começou a trabalhar
no setor em 1972, em Novo Hamburgo (RS), quando era estudante
universitário. Três anos depois,
ocupava um cargo de direção na
filial brasileira da Michel Meynard, uma das principais fabricantes mundiais de sapatos.
Saiu do Brasil em 1988 para trabalhar na mesma empresa nos
EUA. O Brasil era a principal base
de operação internacional da Michel Meynard, como de todas as
outras grandes fabricantes de sapatos. As companhias definiam
suas coleções e as produziam nas
indústrias do sul para posterior
exportação. Na transição dos
anos 80 para os 90 o Brasil perdeu
esse lugar para a China.
Depois de trabalhar no projeto
de implantação da Michel Meynard na China, Kiefer pediu para
ser transferido para o país em
1994. Foi com a mulher, Clara
Bohrer, e o filho, Arno Bohrer
Kiefer, que tinha um ano e oito
meses. "Pão branco era um luxo e
massa de tomate, uma raridade",
lembra Kiefer. Acabou ficando até
2002, quando voltou aos EUA.
Eduardo Richter, que tem uma
empresa de exportação de couro,
diz que a China começou a desenvolver esse mercado há 15 anos.
Desde que o processo teve início,
Richter viaja ao país asiático a cada três meses. "Os brasileiros que
trabalham lá estariam em uma situação muito mais difícil se estivessem aqui", afirma o gaúcho,
que vive em Novo Hamburgo.
Os brasileiros que estão na China hoje afirmam que houve alterações na legislação trabalhista e
que há limites um pouco mais estritos para a jornada de trabalho,
apesar de ser comum o trabalho
aos sábados, por exemplo.
A agência de empregos Vision,
de Novo Hamburgo, estima que
de 4 a 5 brasileiros saiam todos os
meses do Vale dos Sinos para trabalhar na China. Segundo o dono
da Vision, Luiz Mário Leuck, o
número de emigrantes subiu nos
últimos dois anos.
Ao mesmo tempo, diminuíram
os salários oferecidos. Leuck diz
que no início dos anos 90 os salários variavam de US$ 3.000 a US$
10 mil. Hoje, a faixa é de US$ 1.500
a US$ 5.000, avalia.
(CT)
Texto Anterior: Embaixada do Brasil descobriu grupo em 2001 Próximo Texto: Debate: TST quer fim das comissões de conciliação Índice
|