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DEBATE
Fausto, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, afirma que as CCPs são caixa-preta e criaram justiça paralela
TST quer fim das comissões de conciliação
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente do TST (Tribunal
Superior do Trabalho), Francisco
Fausto, vai defender no Fórum
Nacional do Trabalho a extinção
das Comissões de Conciliação
Prévia (CCPs), que foram criadas
para resolver conflitos entre patrões e empregados.
"Se forem corrigidas as irregularidades, as comissões poderiam
funcionar. Não acredito mais nisso", disse, em entrevista à Folha.
O TST constatou que, em Manaus (AM), há conciliadores que
recebem até R$ 50 mil por mês. O
dinheiro que circula entre as comissões, segundo o ministro, já é
comparável ao do tráfico de entorpecentes. Uma sindicância do
tribunal está para ser concluída.
(FÁTIMA FERNANDES E CLAUDIA ROLLI)
Folha - Como surgiram as CCPs?
Francisco Fausto - De uma idéia
de um grupo de ministros do
TST. Eles pensaram em desafogar
a Justiça do Trabalho.
Folha - Por que as comissões se
tornaram uma "justiça paralela"?
Fausto - Porque, com a extinção
da representação classista pela
PEC [Projeto de Emenda Constitucional] 29, os juízes classistas
que tiveram influência na tramitação desse projeto das comissões
no Congresso conseguiram afastar o juiz trabalhista das decisões
finais de homologação nos acordos e, com isso, dominaram totalmente as CCPs. Hoje, essas comissões existem sem nenhuma
fiscalização ou regulamentação.
Folha - O que o TST pode fazer para moralizar as CCPs? E o governo?
Fausto - O TST tem feito discurso porque, na verdade, essa é uma
iniciativa de natureza política. O
governo pode propor ao Congresso um novo projeto para retomar
a idéia inicial, que ele próprio teve, e que foi deturpada na tramitação do Legislativo.
Folha - A CCP é uma forma de flexibilização das leis trabalhistas?
Fausto - Não. A CCP não tem
nada a ver com a flexibilização da
legislação trabalhista. O que elas
fazem é uma nova forma de jurisdição, extrajudicial.
Folha - O sr. defende a extinção
das comissões de conciliação?
Fausto - Sim, porque houve distorção do projeto original. Se fosse retomado o projeto original, seria uma forma de ajudar na solução dos processos trabalhistas.
Folha - O sr. acha que deveriam
existir penas mais rigorosas para
quem descumprir a lei das CCPs?
Fausto - Não temos, na prática,
uma lei que regula as comissões.
Se continuarem cobrando taxa do
trabalhador para remunerar os
conciliadores, o que é proibido
por portaria do Ministério do
Trabalho, deveria haver punição.
Folha - Qual a sua proposta?
Fausto - Defendo que as comissões sejam registradas no Ministério do Trabalho. Se continuarem com práticas irregulares, defendo a cassação do registro.
Folha - Se a cobrança de taxas fosse proibida, as CCPs não atuariam
de forma mais honesta?
Fausto - Não tenho dúvidas.
Creio que, no máximo, o que se
pode fazer é a remuneração paga
pelo orçamento próprio das entidades sindicais. A portaria do ministro Paulo Jobim diz que a comissão não pode cobrar do trabalhador percentuais sobre o valor
acordado. Isso é uma balela, porque, em último caso, quem está
pagando é o trabalhador, dentro
do seguinte esquema: se o empregador tem R$ 500 para dar ao trabalhador e tem de pagar R$ 100 de
despesas processuais, ele só oferece R$ 400 ao trabalhador. A portaria do ministro Paulo Jobim não
comina pena alguma para quem
cometer irregularidades.
Folha - O sr. já declarou que alguns conciliadores recebem mais
de R$ 50 mil mensais de remuneração nessas comissões e que as CCPs
só perderiam em fonte de arrecadação ilícita para o tráfico de entorpecentes. É isso mesmo?
Fausto - Temos investigações
em andamento. Estamos recebendo informações dos tribunais
regionais para formalizar um relatório final sobre as CCPs.
Folha - O sr. já encontrou conciliador que recebe R$ 50 mil por mês?
Fausto - Já, em Manaus.
Folha - Como o sr. vê o fato de
muitas empresas encaminharem as
rescisões de contrato de trabalho
para as CCPs?
Fausto - É mais uma distorção. A
lei não deu às CCPs o poder de
homologar rescisões contratuais.
As comissões, no entanto, fazem
homologações de rescisões contratuais, valendo-se também da
eficácia liberatória [ao fazer um
acordo na CCP, o trabalhador assina um termo que dá quitação de
direitos trabalhistas], que impede
que o trabalhador recorra mais
tarde à Justiça.
Folha - As fraudes praticadas pelas CCPs podem prejudicar a União?
Fausto - Sim. Porque, na Justiça
do Trabalho, arrecadamos anualmente cerca de R$ 700 milhões
em Previdência Social e mais um
punhado de reais de Imposto de
Renda. E isso não está sendo cobrado pelas CCPs.
Folha - O TST tem autonomia para
punir essas falsas comissões?
Fausto - Não temos poder nenhum sobre as comissões. Isso cabe ao Ministério do Trabalho.
Folha - As CCPs podem ser extintas na reforma trabalhista. Essa é
uma proposta do TST?
Fausto - Seria a proposta do TST,
se não forem corrigidas as irregularidades até lá. E eu acredito que
não serão corrigidas.
Folha - A nova lei trabalhista prometida pelo governo Lula pode mexer com as CCPs?
Fausto - Creio que pode mexer
com as comissões, dentro desse
propósito de que a jurisdição trabalhista é mais justa com os direitos dos trabalhadores.
Folha - O sr. declarou que a CCP é
uma fonte ilícita de arrecadação e
que só perde para o jogo do bicho.
O sr. tem algum documento que
mostre o quanto elas arrecadam?
Fausto - Não, as CCPs são uma
caixa-preta.
Folha - Até quando vai perdurar
esse tipo de corrupção?
Fausto - Enquanto o governo
não tomar uma providência de
ordem prática e eficiente.
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