São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Financiamento externo não ajuda o desenvolvimento

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Muitas toneladas de papel foram impressas nas últimas décadas repetindo que o desenvolvimento econômico pode dar saltos se os países mais pobres abrirem suas economias ao financiamento externo. Para atraí-lo, teriam de abrir-se às importações, oferecer oportunidades para empresas estrangeiras investirem em seu território e, coroando o processo, desnacionalizar o próprio sistema bancário.
Embora os países que seguiram mais de perto esse roteiro estejam agora em estado de putrefação, como se vê na Argentina, é impressionante o silêncio que paira sobre a questão. No momento atual, predominam os muxoxos, na campanha presidencial ninguém chega nem sequer perto dessa questão.
Para entender o tema é bom recorrer a estudos técnicos. É o caso de um relatório publicado em junho pelo BIS (Bank of International Settlements), uma câmara de compensações internacionais. Em "Determinants of international bank lending to emerging market countries" (Determinantes dos empréstimos bancários internacionais aos países com mercados emergentes), Serge Jeanneau e Marian Micu examinam detalhada e exaustivamente as estatísticas mais recentes sobre fluxos financeiros dirigidos a países em desenvolvimento (http:// www. bis.org/publ/work112.pdf).
Algumas evidências já são conhecidas, mas os dados atualizados ajudam a refrescar a memória com relação ao período entre 1989 e 1997, por exemplo.
Esse período foi uma espécie de era dourada dos fluxos de financiamento para os mais pobres, pós-Muro de Berlim.
Os empréstimos internacionais saíram de zero para quase US$ 150 bilhões por ano. Sarney, Collor, Itamar e FHC abriram o que puderam, venderam quase tudo, tomaram empréstimos com euforia. O roteiro foi seguido na maior parte da América Latina e do Leste Europeu e, em menor grau, na Ásia.
Esse estudo mostra que nesse período os empréstimos foram assumindo um perfil cada vez mais de curto prazo. Na América Latina, no começo do processo pouco mais de 30% dos empréstimos tomados no mercado internacional eram de curto prazo (até um ano).
No auge da farra (e da taxa de câmbio ancorada), os empréstimos de curto prazo passavam de 50% do total. Na Ásia, passaram de 60% do total de empréstimos.
Ora, não é preciso entender muito de economia para concluir que processos de desenvolvimento, ou seja, mudanças que levam muito tempo para amadurecer (são transformações de longo prazo), tornam-se frágeis se o seu financiamento repousa cada vez mais sobre instrumentos de curto prazo.
A afirmação chocante de que o financiamento externo não contribui para o desenvolvimento ganha, portanto, pleno sentido.
O que ocorreu nas últimas décadas foi a montagem de modelos de desenvolvimento cujo padrão de financiamento era insustentável. Quem mais faturou foram os intermediários desse jogo perverso, os bancos e os investidores com agilidade suficiente para correr de um mercado "emergente" a outro.
Há muitas outras informações relevantes no estudo publicado pelo BIS. Ele mostra também que os fluxos de empréstimos acompanham os ciclos de crescimento dos países mais ricos.
Isso contraria outra hipótese muito comum, a de que os investidores e banqueiros veriam nos mercados dos países em desenvolvimento uma alternativa de valorização de seus capitais para os momentos em que a rentabilidade cai no centro do sistema capitalista.



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