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LUÍS NASSIF
O embaixador e a diva
Aos 40 anos o banqueiro
Walther Moreira Salles foi
nomeado pela primeira vez embaixador brasileiro em Washington. Jovem, bonito, formado nas melhores tradições de
bem receber de Pouso Alegre e
de Poços de Caldas, em pouco
tempo Moreira Salles se tornou
personagem frequente das colunas sociais de Washington e Nova York, tratado como o "embaixador galante".
No plano diplomático, já havia entrado para as lendas de
Washington a maneira altiva
com que havia cobrado coerência de John Foster Dulles que,
empossado Secretário de Estado
do recém-eleito presidente John
Dwight Eisenhower, se recusava
avalizar negociações com o Brasil, firmadas pelo seu antecessor
Dean Acheson. Com apenas 40
anos, Moreira Salles enfrentara
duas das maiores lendas do governo norte-americano no século, e negociara de igual para
igual, mesmo na incômoda posição de representante de um
país quebrado.
A fama correu e, pouco depois,
Moreira Salles foi convidado
para uma recepção na casa dos
proprietários do "The New York
Times", para ser apresentado à
sociedade nova-iorquina. No
começo da noite seguiram para
a casa o embaixador e o chanceler brasileiro João Neves da Fontoura, em visita aos EUA.
Ficaram na entrada da casa,
no segundo andar do sobrado,
com os anfitriões, aguardando
os convidados subirem e serem
apresentados aos homenageados. Foi lá de cima que o embaixador percebeu o vulto majestoso entrando pela porta. A pele
era branquíssima, coberta por
um vestido negro. Moreira Salles deu-se conta de que ela
mancava levemente. Quando
chegou ao final da escada, os
anfitriões procederam às apresentações. Do lado de cá, o embaixador galante. Do lado de lá,
Greta Garbo, perto dos 50 anos,
mas ainda ostentando a condição de uma das mais belas mulheres da história. João Neves
abriu a boca de forma um tanto
desmedida, merecendo um leve
cutucão de Moreira Salles.
Não se tratava de uma divindade apenas, mas de um verdadeiro batalhão do Olimpo, que
se completou quando apareceu
Marlene Dietrich. E se os EUA
ambicionavam a ampla rendição da diplomacia brasileira,
quase conseguiram quando colocaram Greta e Marlene lado a
lado, bem em frente aos dois
bravos representantes da tradição de Rio Branco.
Neves da Fontoura não conseguia se conter. "É a Greta Garbo
e a Marlene Dietrich na nossa
frente, Walther", dizia. O amigo
cutucava o chanceler por baixo
da mesa para que ele contivesse
as manifestações de tietagem.
Quando João Neves começou
a respirar com mais naturalidade, Moreira Salles pode, então,
entabular conversa com Greta
Garbo. Havia taças de vinho
tinto e branco para cada comensal. Walther gostava apenas de tinto; Greta, apenas de
branco. Walther sugeriu que
trocassem de copos. E enquanto
vinhos eram trocados e pratos
servidos, o papo ia rolando e teve início uma grande amizade.
Dessa amizade resultaram vários encontros reservados em
Nova York, confidências doloridas, apoio de náufragos, o embaixador sofrendo por sua nova
paixão brasileira, a jovem Elisinha Gonçalves, que conhecera
pouco antes; e Greta Garbo, por
sua paixão impossível, um costureiro famoso, porém casado.
Resultaram também várias fotos autografadas de Greta, ciosamente guardadas no arquivo
particular do embaixador.
Da mais refinada linhagem
dos grandes sedutores, o embaixador jamais se permitiu uma
indiscrição sobre o episódio. A
história virou lenda. Vim a saber dela quatro anos depois de
ter iniciado contatos com o embaixador, visando escrever sua
biografia. Quem me contou foi
Sérgio Figueiredo, figura da sociedade carioca.
Ouvi incrédulo. Encontrei-me
em seguida com o embaixador e
indaguei sobre o episódio. E ele,
disfarçando, para contornar
minha irritação por não saber
de nada: "Tivemos um pequeno
"affair". Não lhe contei?". Minha
reação foi imediata: "Não contou não senhor. Sou seu biógrafo, há quatro anos recolho dados sobre o senhor e, antes mesmo de falar sobre seu pai e sua
mãe, tinha que me ter contado
essa história".
Foi só assim que o embaixador contou. E quando pedi para
avançar nos episódios entre
quatro paredes apenas sorriu,
levemente, e nada mais disse.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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