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ANÁLISE
Não há tragédia nem espetáculo à vista
DA REDAÇÃO
A atividade econômica
vai bem; já as finanças... A
ladainha é recorrente desde que o
país ganhou a tacha de emergente: o Brasil estava preparado para
crescer, veio uma crise internacional e jogou tudo por água abaixo.
A ironia desgastada nestes dias de
"mercado nervoso" parece prestes a armar-se novamente.
Há rara sincronia de indicadores mostrando que, do lado real,
tudo está no azul. Primeiro foi o
bonde dos exportadores, depois o
da geladeira, do fogão e do celular.
A crédito. Por fim, o consumo de
comida conseguiu botar uma narina para fora do lodaçal em que
ficara imerso.
A dureza da política monetária
e o dólar benfazejo num período
de bonança internacional fizeram
a inflação murchar drasticamente. E, ao final do espetáculo, ali estava um raro exemplar de poder
de compra. Salários reajustados
com base em inflação mais gorda
para atuar em regime de preços
bem mais ameno. Mas, por ora,
nada de recuperação de emprego.
Pois é neste exato momento que
se inicia uma mudança do ciclo financeiro internacional. Está no
horizonte um cenário de juro externo certamente mais alto; de petróleo e atividade chinesa incertamente mais baixos.
Prazos mais curtos
Como se não bastasse, o Tesouro Nacional, como revelou a Folha, foi levado a encurtar parte de
sua dívida. Trocou papéis longos
por outros, mais curtos. A batalha
está em curso, e o objetivo é o de
evitar uma debandada maior de
credores, um novo pânico na classe média poupadora.
Nesse ambiente, a meta de 16%
ao ano para títulos de um dia, fixada pelo Banco Central, tem o
efeito da lâmpada para a mariposa. O porto seguro do dinheiro à
mão e rendendo bem tende a ser
mais atrativo do que o papel a
vencer num futuro mais distante.
O BC, porém, afirma que não
baixa o prêmio pago nesses títulos
mais curtos -estimulando a procura pelos mais longos- porque
essa é uma decisão da política
monetária que objetiva manter a
inflação sob controle.
Colchão exportador
Mas, por ora, a repetição da narrativa trágica -o ciclone extratropical da finança derrubando a
atividade doméstica- é uma hipótese menos provável. E isso por
dois motivos principais.
Em primeiro lugar, não está no
cenário da média dos analistas a
elevação abrupta da taxa de juros
da economia americana, quanto
mais em período eleitoral.
O outro colchão contra sobressaltos são as exportações brasileiras girando na casa dos US$ 80 bilhões anuais. Uma exigência extra
de financiamento externo custará
menos à atividade interna do que
já custou em outras ocasiões.
Além disso, setores que exportam
e substituem importações já há algum tempo são alvo privilegiado
dos parcos investimentos novos
que surgem no país.
Os riscos maiores do turvamento do cenário externo são três: o
de um desfecho que não seja o de
moderação no preço do petróleo
e no crescimento chinês; o de uma
reação desmedida ao novo quadro por parte do Banco Central do
Brasil; e o do abalo que esse ambiente mais incerto pode exercer
sobre a decisão das empresas por
novos investimentos.
Os dois últimos fatores, em especial, teriam o condão de afetar
não propriamente a atividade
neste ano, mas o crescimento e o
nível de emprego futuros.
Mas e se tudo der certo? E se os
juros americanos forem subindo
lentamente e o petróleo e a economia chinesa desacelerando suavemente? O Brasil estará pronto para sustentar e acelerar a sua taxa
de crescimento econômico?
Nesse ponto, restam mais dúvidas que certezas. Um exemplo de
um tema com múltiplas variações: dados dos concessionários
de rodovias mostram que o tráfego de caminhões cresceu 12% em
março sobre o mesmo mês do
ano passado, 2,4% sobre fevereiro
deste ano e está num patamar
20% acima da média de 1999.
Sem investimentos que possam
recuperar e ampliar a capacidade
de escoamento da produção, que
exigem mobilização de grande escala de capital, é improvável que
as estradas do país suportem esse
ritmo de crescimento por um período mais longo.
Os juros ainda altos, o Estado
descapitalizado e as regras setoriais mal paradas atuam como entraves à ampliação do investimento, único modo civilizado de
diminuir a taxa de desemprego,
que hoje beira os 13%.
Não parece haver mudança explosiva do cenário internacional.
Tampouco o Brasil se destaca como um dínamo em flor. Não há à
vista tragédia nem vocação épica.
(VINICIUS MOTA)
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