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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Comprar dívida pública pela internet é uma saída
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Há duas semanas não se
fala de outra coisa: a dívida pública brasileira é impagável, o Banco Central teria tropeçado na rolagem dos títulos,
muita gente perdeu dinheiro
onde jamais imaginaria correr
riscos, ou seja, nos fundos de
investimento lastreados em títulos garantidos pelo governo.
O resultado foi a valorização espetacular do dólar e, mais uma
vez, a ladainha dos que afirmam ser impossível reduzir as
taxas de juros no Brasil.
Muito se publicou a respeito,
em geral tentando explicar o
que é um título público ou
identificando as instituições financeiras em que ocorreram as
maiores perdas. O que ninguém notou é que qualquer indivíduo pode comprar e vender
títulos públicos pela internet,
praticamente sem a intermediação de uma instituição financeira.
A novidade é recente e faz
parte do desenvolvimento do
governo eletrônico brasileiro
(Tesouro Direto, iniciativa da
Secretaria do Tesouro em conjunto com a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia).
Em todo o mundo, há experiências semelhantes apenas na
Espanha e nos EUA. Para quem
estiver interessado, o endereço
é www.tesouro.fazenda.
gov.br/tesouro-direto.
O projeto foi ao ar em janeiro
deste ano e é um dos casos que
concorrem ao Prêmio Excelência em Informática Pública, no
5º Congresso de Informática
Pública. Outros projetos estão
disponíveis no site do evento,
que acontece em São Paulo na
próxima semana, entre os dias
11 e 13 (http://www.conip.com.br/).
Mas quem, afinal, vai ter interesse nisso agora? Ao menos
em tese, uma das lições do episódio com os fundos é que os
investidores, principalmente os
correntistas de bancos, são
muito mal informados. O comentário veio de autoridades
do Banco Central e de analistas
do mercado: se o BC não tivesse
alterado as regras, somente os
investidores de maior porte e
mais informados teriam vendido a tempo seus papéis públicos, saindo dos fundos cuja
rentabilidade vinha caindo.
Se isso é verdade, a existência
de um canal direto entre o Tesouro e as pessoas pode ser
uma saída (embora obviamente não seja uma solução para as
necessidades de financiamento
do governo, na casa das centenas de bilhões de reais). Se cada
investidor evitasse o banco e
passasse a negociar diretamente seus investimentos pela rede,
o sistema financeiro no mínimo teria de informar melhor as
condições em que vende seus
produtos.
Parece utopia? Mas não é.
Desde a década de 80, sobretudo nos Estados Unidos, analistas e tecnocratas discutem a desintermediação financeira,
ameaça real à rentabilidade de
bancos na medida em que instituições financeiras não-bancárias ocupam espaço e oferecem
alternativas a pessoas, empresas e investidores institucionais.
Assim como os mercados de
CDs, de livros ou de vídeos podem sofrer sérios abalos com a
disseminação das redes de informação e comunicação, com
destaque para a internet, os
mercados financeiros também
podem passar por mudanças
radicais.
No caso dos títulos da dívida
pública, a idéia ainda parece esdrúxula e sua disseminação
não é apenas uma questão de
haver tecnologia disponível (a
começar pela questão do poder
dos bancos na economia brasileira). Mas é um projeto que
ilustra o potencial de mudança
em políticas públicas a partir do
uso das tecnologias de informação e comunicação.
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