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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Que tipo de guerra é essa?
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
A propaganda sobre as
"realizações" dos "oito anos
que mudaram o Brasil" sofreu
um estrago considerável neste começo de mês, depois das "boas
notícias" de maio -um superávit
fiscal recorde, uma queda na atividade econômica menor do que
a esperada, uma expectativa inflacionária aparentemente sob
controle e, naturalmente, um aumento do desemprego. Vale dizer,
supostamente um bom desempenho nos "fundamentos".
As autoridades monetárias decidiram não esperar setembro e
soltaram uma bomba sobre o valor do estoque em mercado das
Letras Financeiras do Tesouro
(LFT). Estas representavam mais
de 50% da dívida pública antes
da intervenção e eram os títulos
mais conservadores e de risco mínimo que resistiram a todas as
crises financeiras desde 1987, com
qualquer política monetária e
cambial (*).
Quais foram as principais vítimas da intervenção do Banco
Central? Os poupadores da classe
média, que acreditaram na publicidade enganosa de que estavam
aplicando em títulos de renda fixa. Entre os ganhadores estão alguns grandes bancos que operaram no mercado de "swaps" de
câmbio, casados com LFTs, mas
tinham-se visto livres delas ajudando a desvalorizá-las. Outros
bancos, inclusive alguns estrangeiros, foram pegos no contrapé,
já que, afinal, o mercado não é
tão "transparente" assim e eles
não esperavam a mudança
abrupta nas regras do jogo.
O BC tentou primeiro reduzir a
liquidez empoçada em um pequeno número de grandes bancos
privados, que se recusavam a repor as suas carteiras de LFTs e começou uma "guerra" de pequena
duração. Cedeu e acabou trocando pelo valor de face posições da
dívida pública que venciam entre
2004 e 2006, encurtando prazos
para o começo de 2003. Para essa
troca, o "valor atual" dos títulos,
com a taxa de desconto correspondente ao mercado futuro, não
é levada em conta a desvalorização dos títulos da carteira do BC e
o prejuízo final do Tesouro. Haja
BC independente!
Os bancos privados que operam
nos mercados financeiros globalizados e que tinham maior liquidez colocaram o BC contra a parede, começando imediatamente
uma pressão sobre a depreciação
do real. A venda especulativa de
títulos da dívida externa "velha"
(os "bradies" e C-bonds) no mercado secundário em Nova York,
por sua vez, fez disparar o chamado risco Brasil. As dificuldades de
rolagem das dívidas externas privadas corporativas, que vencem
nos próximos meses, aumentaram muito além do aperto geral
de crédito externo para os mal
chamados "mercados emergentes".
Resumo do penúltimo capítulo
da "novela", escrito a quatro
mãos pelo ministro da Fazenda e
pelo presidente do BC antes do feriado de Corpus Christi:
1. Os prazos da nossa gigantesca
dívida pública que, a duras penas, tinham alcançado 36 meses
em média, agora foram encurtados de forma abrupta. Os grandes
bancos estão relutando em aceitar o presente da "megatroca"
porque o encurtamento não diminui o risco dos papéis emitidos
pelo atual governo no último ano.
2. As taxas de juros do BC nos
próximos meses não terão nada a
ver com a famosa "meta inflacionária", como nunca tiveram,
aliás, mas tampouco servirão de
"âncora" para a especulação no
mercado aberto de títulos públicos e nos mercados cambiais. Daí
para a frente, tudo passou a ser
"flutuante".
3. Puxar o preço em dólar com
especulação e antecipar a demanda futura para rolagem da dívida
privada e pública externa é uma
das armas que o "mercado" tem
para ganhar do BC. Até agora, a
guerra está sendo ganha de goleada por alguns segmentos do mercado líquidos em reais e em dólares.
Para concluir, tenho a obrigação moral de fazer algumas considerações que a minha longa experiência de observadora da política econômica deste país justifica:
A primeira é que o presidente
do BC deveria ser mais discreto e
não fazer terrorismo eleitoral para justificar as trapalhadas da
sua própria política de financiamento da dívida pública e de "intervenção preventiva" no mercado. Imaginem se o presidente do
Fed fizesse isso! Para os que em
geral têm-se mantido discretos
para não agravar a situação delicada do país, é difícil aturar a arrogância das autoridades econômicas que não reconhecem seus
próprios erros ou suas práticas
duvidosas.
A segunda é que já vi várias vezes as poupanças da classe média
e do povão crescerem abaixo da
inflação e do seu endividamento,
dificultando-lhes a vida para enfrentar as prestações com bens de
consumo durável ou com casa
própria. Mas fazer uma desvalorização patrimonial abrupta dos
poupadores de classe média (numa época de desemprego e de baixos salários) passou muito dos limites das crises financeiras anteriores, com exceção do confisco de
Collor, que era considerado um
enlouquecido.
A terceira é uma pergunta difícil de responder. Qual é mesmo o
objetivo dessa "guerra" que o governo está promovendo contra
parte do mercado e da oposição?
Deixar o próximo governo encurralado e o país arruinado? Para
quê? O dr. Malan tem pretensões
a ser chamado de volta como
aconteceu na Argentina com o dr.
Cavallo? Alguns tucanos ilustres,
prevendo a derrota eleitoral, pensam que sim! Em contrapartida
Elio Gaspari cobra do dr. Armínio: o "curral deve ser negociado
logo" (nesta Folha e no "Globo",
5/6/02). Não será seguramente
com a prometida ajuda do FMI.
Diferentemente do que os leitores possam julgar, as decisões políticas sobre o rumo do país em
conjunturas difíceis não devem
caber aos "economistas brilhantes" (infelizmente conheço todos
desde a década de 50 até agora).
Devem caber aos políticos de bom
senso, sobretudo os habituados a
negociar do lado do povo, e não
contra ele.
(*) O "inventor" das LFTs foi o dr. Luiz
Carlos Mendonça de Barros na gestão
Dilson Funaro. Dados os seus hábitos de
"especulador contumaz", parece não dar
a menor importância à sua única obra
duradoura, limitando-se a atribuir ao PT
e a seus economistas a nova crise financeira (nesta Folha, 7/6/02).
Maria da Conceição Tavares, 71, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ). Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail - mctavares@cdsid.com.br
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