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TRABALHO
Valores dos bancos e da CEF têm diferenças acima de 7.000%; sindicato de metalúrgicos pedirá suspensão do acordo
Erro em extrato do FGTS lesa trabalhador
Márico Fernandes/ Folha Imagem
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O ex-metalúrgico Gentil Fernandes Rosa mostra conta da CEF com valores diferentes dos do banco que administrava sua conta |
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Diferenças de mais de 7.000%
na contas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) entre
as informações dos bancos e da
CEF (Caixa Econômica Federal)
ameaçam "o maior acordo do
mundo" para o pagamento de
perdas causadas pelos planos Verão e Collor 1.
O Sindicato dos Metalúrgicos
de São Paulo vai entrar, nos próximos dias, com uma representação
no Ministério Público Federal para pedir a suspensão do acordo.
A decisão foi tomada pelo sindicato após constatar que os valores
impressos nos extratos -referentes às perdas do Plano Collor
1- encaminhados pela CEF a alguns trabalhadores não coincidem com os informados pelos
bancos que operavam as contas
do Fundo antes de elas serem centralizadas na CEF, como determina a lei nº 8.036, de maio de 90.
O acordo para o pagamento das
perdas do FGTS foi feito entre governo, centrais sindicais e empresas em junho do ano passado e
prevê o pagamento de R$ 40 bilhões até janeiro de 2007.
De uma amostra de 60 extratos
de metalúrgicos paulistas analisados na última semana pelo advogado do sindicato Paulo Annoni
Bonadies, 18 não batem -isto é,
30% da amostra.
O pior é que o saldo do trabalhador informado no extrato da CEF
é -no caso dos que têm erro-
sempre menor do que o impresso
pelo banco que cuidava da conta.
O advogado já detectou erro
também nos extratos de aeroviários, categoria que está recebendo
as perdas em razão de ação ganha
pelo sindicato na Justiça, e está
reunindo documentação para tomar a mesma atitude no Ministério Público Federal.
Bagunça
"Ainda não dá para afirmar se
esse erro reflete só a bagunça do
governo para tratar do assunto ou
se existe fraude mesmo, mas o fato é que alguns trabalhadores estão sendo lesados", diz Bonadies.
Luciano Fazio, técnico do Dieese em Brasília, e Mario Alberto
Avelino, presidente do Instituto
FGTS Fácil, entidade criada em
abril de 2001 para acompanhar
questões relacionadas ao fundo,
também analisaram os extratos e
confirmaram os erros.
"Se esses erros forem generalizados em todas as categorias de
trabalhadores, levanta-se uma
grande suspeita sobre a transferência do saldo da rede bancária
para a CEF. De qualquer maneira,
é preciso que haja investigação",
diz Fazio.
"Nos extratos que estamos recebendo também constatamos erros em pelo menos 15 contas", diz
Avelino.
Octávio Bueno Magano, advogado e professor da Faculdade de
Direito da USP (Universidade de
São Paulo), diz que "já tinha ouvido dizer que alguns extratos estavam errados. É provável que seja
erro, mas não excluo totalmente a
possibilidade de fraude", afirma.
Culpa
Para o advogado e conselheiro
da OAB-SP Francisco Ary Montenegro Castelo, que já recebeu em
seu escritório casos de clientes
com erros em extratos, uma investigação deve ser feita para saber de quem é a culpa -se dos
bancos ou da CEF.
"Quem se beneficiou desse dinheiro deve ser responsabilizado.
É algo alarmante encontrar 18 erros em um universo de 60 pesquisados. Se os bancos enviaram informação errada à CEF, significa
que foram beneficiados."
Para o matemático financeiro
José Dutra Vieira Sobrinho, a
amostragem feita pelos metalúrgicos de São Paulo é pequena, mas
não pode ser desprezada. "É válida. Proporcionalmente, pode-se
dizer que, dos 18,7 milhões de extratos que a CEF afirma ter enviado às pessoas, 5,6 milhões deles
podem estar errados."
Transferência
A rede bancária teve prazo de 90
a 93 para transferir o saldo das
contas do FGTS para a CEF. Só
que, pela lei complementar nº 110,
de 29 de junho do ano passado, os
bancos tiveram até 31 de janeiro
de 2002 para repassar à CEF as informações cadastrais e financeiras -referentes aos períodos de
dezembro de 88 a março de 89 e
de abril e maio de 90- necessárias para calcular os expurgos.
Na documentação entregue ao
Ministério Público Federal, Bonadies vai solicitar uma investigação
para identificar quem errou. "É
preciso saber se os erros partiram
dos bancos, da CEF ou até de empresas que fizeram, por meio de
computador, a transferência das
contas. A culpa pode ser de um ou
de todos eles", diz Bonadies.
Em alguns casos, a diferença de
créditos dos trabalhadores supera
7.000%. No extrato de uma conta
do FGTS de Milton Eduardo
Brum, por exemplo, o crédito a
receber informado pela CEF, já
atualizado, é de R$ 13,77.
Pelo extrato fornecido pelo Banco do Brasil -que descreve os valores em cruzeiros-, o valor
atualizado do crédito a receber
pela mesma conta é de R$
1.076,76. A atualização foi feita a
partir de uma tabela de conversão
elaborada pelo Dieese, disponível
no site www.dieese.org.br.
As contas do advogado do sindicato foram feitas a partir de tabela de cálculo utilizada pela própria CEF, segundo o advogado. A
diferença entre a tabela da CEF e a
do Dieese, afirma, é de centavos.
Isto é, tanto por uma tabela como
pela outra os erros aparecem.
Pagamento
Pelo acordo assinado no ano
passado entre o governo, as centrais sindicais (Força Sindical,
SDS e CGT -a CUT não aceitou
fazer parte dele) e as empresas, o
trabalhador começará a receber
as perdas a partir de amanhã.
Mas, para isso, tem de assinar o
termo de adesão ao acordo.
Por esse termo, o trabalhador
aceita abrir mão de juros a partir
de julho de 2001 -só foi mantida
a correção monetária. Também se
compromete a não ingressar na
Justiça para reclamar as perdas
integrais e a retirar a ação no caso
de já ter dado entrada. Dependendo do valor a receber (mais de R$
8.000), há deságio de até 15% e
parcelamento semestral até 2007.
Recuo
O Sindicato dos Metalúrgicos de
São Paulo -apesar de filiado à
Força Sindical, central que se
aliou ao governo para fazer o
acordo de pagamento das perdas
do FGTS- chegou à conclusão
de que o trabalhador ganha mais
se procurar a Justiça, principalmente se o valor a receber for superior a R$ 3.000.
Na verdade, o sindicato já vinha
recolhendo, desde o dia em que
anunciou que havia ganho ação
na Justiça de São Paulo a favor do
trabalhador, documentos de metalúrgicos para a execução da sentença de cobrança do expurgo de
44,8% referente ao Plano Collor 1.
A decisão da juíza Tânia Regina
Marangoni Zahury, da 16ª Vara
da Justiça Federal em São Paulo,
beneficia inicialmente o Sindicato
dos Metalúrgicos de Mogi das
Cruzes, que se uniu ao de São
Paulo após ingressar com a ação
na Justiça. Os metalúrgicos de São
Paulo aguardam agora a decisão
da juíza para saber se podem executar a ação em conjunto com o
de Mogi.
"É preciso explicar por que esses erros estão acontecendo. Não
vou dizer que o acordo é ruim para quem está desempregado, tem
R$ 500 de crédito e precisa do dinheiro. Mas, para quem pode esperar e recebeu extrato errado,
vou defender que aguarde as investigações", diz o presidente do
sindicato, Ramiro de Jesus Pinto.
Bonadies fez o cálculo para
identificar quanto um trabalhador receberia de crédito se aderisse ao acordo e se procurasse a Justiça. Considerando o extrato de
Gil Carlos Garcia fornecido pelo
Itaú, ele teria a receber, pelo acordo de adesão, cerca de R$ 10 mil,
referentes ao expurgo de abril de
90, e R$ 15,25 mil se for à Justiça.
Fazio, do Dieese, diz que nem
sempre o trabalhador sai ganhando na Justiça. Em alguns casos,
quando ele tem a receber até R$
2.000, o acordo pode ser mais interessante porque evita burocracia. Ele lembra também que, para
ir à Justiça, o trabalhador tem gasto. "O trabalhador precisa estudar
bem os dois casos para ver o que é
melhor para ele."
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